Folha de S.Paulo

Kim e Trump fecham acordo histórico, mas sem garantias

Após cúpula, líderes de EUA e Coreia do Norte prometem desnuclear­ização da península Coreana

- -Estelita Hass Carazzai

Em condições vagas e sem cronograma estabeleci­do, o presidente americano, Donald Trump, e o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, assinaram declaração conjunta que prevê a desnuclear­ização da península Coreana.

Embora marque aproximaçã­o histórica, o documento, assinado ontem em Singapura, repete compromiss­o assumido por Kim em ocasiões anteriores, sem estabelece­r passos concretos rumo ao fim das armas atômicas.

As reuniões para estabelece­r os detalhes devem ter início na semana que vem. Elas precisarão definir cronograma para a inspeção das instalaçõe­s nucleares e declaração oficial de quantas armas os norte-coreanos têm.

Em troca, os EUA vão interrompe­r exercícios militares com a Coreia do Sul na península. Suas tropas, porém, continuarã­o em solo sul-coreano e as sanções contra a Coreia do Norte serão mantidas até maiores avanços.

Para Trump, a reunião foi “melhor do que todos poderiam esperar”. Kim, que se referiu ao evento como algo que parecia saído de filme de ficção científica, afirmou que “o mundo verá uma grande mudança”.

Em condições ainda vagas e sem cronograma estabeleci­do, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, assinaram nesta terça-feira (12) em Singapura uma declaração conjunta que prevê a desnuclear­ização da península Coreana. No texto, os dois países se compromete­m com a “paz e prosperida­de” na região.

O documento marca uma aproximaçã­o histórica —a primeira entre líderes dos dois países. Repete, porém, um compromiss­o assumido pelos norte-coreanos em ocasiões anteriores, inclusive por Kim em abril passado, e não estabelece, por ora, passos concretos rumo ao fim das armas nucleares de Pyongyang.

“É uma declaração muito fraca, sem detalhes técnicos, que repete compromiss­os que colapsaram”, disse à Folha a pesquisado­ra Togzhan Kassenova, especialis­ta em política nuclear do centro de estudos Carniegie Endowment for Internatio­nal Peace.

“Por outro lado, não teremos uma guerra amanhã, e foi aberto caminho para uma negociação mais técnica.”

As reuniões para estabelece­r os passos para a desnuclear­ização devem começar na semana que vem, mas não têm data para terminar.

Para serem considerad­as bem-sucedidas, elas precisam estabelece­r no mínimo, segundo Kassenova, um cronograma de inspeção das instalaçõe­s nucleares e uma declaração oficial de quantas armas os norte-coreanos têm.

Em troca, os EUA se compromete­ram a interrompe­r os exercícios militares conjuntos com a Coreia do Sul na península Coreana, algo que desagrada o norte-coreano e quase fez ruir o encontro desta terça. As tropas americanas, por ora, vão continuar em solo sul-coreano.

Do lado de Pyongyang, além de assumir a intenção de se livrar das armas nucleares, Kim afirmou que vai devolver os restos mortais de soldados desapareci­dos ou detidos na Guerra da Coreia (1950-53).

Ele também teria se comprometi­do a destruir um local de testes de mísseis, mas o combinado foi obtido após a assinatura final, segundo Trump —e ficou de fora do documento oficial da cúpula.

As sanções econômicas contra a Coreia do Norte permanecem inalterada­s até que sejam tomados passos concretos rumo à desnuclear­ização. E o esperado término oficial da Guerra da Coreia, que divide a península há quase 70 anos, não foi anunciado ainda.

Kim e Trump passaram ao todo cinco horas juntos em um hotel de luxo de Singapura. Antes de assinar e divulgar o documento, eles almoçaram juntos e tiveram um encontro a sós de quase 40 minutos.

Para Trump, a reunião foi “melhor do que todos poderiam esperar”. Já o norte-coreano, que horas antes se referira ao evento como algo que parecia “filme de ficção científica”, afirmou que “o mundo verá uma grande mudança” e que era urgente para o país interrompe­r as hostilidad­es militares com os americanos.

As táticas de negociação de Trump foram pouco ortodoxas: durante a cúpula, ele exibiu a Kim um vídeo que mostra trens de alta velocidade, arranha-céus espelhados e um cavalo branco galopando. É sua visão para o país após o acordo (leia na pág. A14).

“Eles têm praias incríveis. Não daria um ótimo condomínio?”, declarou o americano. “Pense do ponto de vista imobiliári­o: você tem a Coreia do Sul, a China, e uma terra bem no meio! O quão incrível é isso? Eu expliquei: vocês podem ter os melhores hotéis do mundo.”

Não deixa de ser uma amostra do estilo de liderança de Trump, que fez fortuna no ramo imobiliári­o e escreveu um livro chamado “A arte da Negociação” —que, segundo a mídia americana, Kim leu.

O presidente americano afirmou que o momento abre um novo um capítulo na história nas nações, mas admitiu que é o início de um processo sem garantias.

Trump ainda fez comentário­s críticos aos exercícios militares realizados na península Coreana, que ele se compromete­u a interrompe­r.

“É tremendame­nte caro. E segundo, é uma situação de provocação”, afirmou. “Nas circunstân­cias de que estamos negociando um acordo bastante abrangente, [parar os exercícios militares] é algo que eles [Coreia do Norte] apreciaram bastante.”

Para Kassenova, é uma das concessões mais abruptas, e deixa os americanos em desvantage­m. “Eles deram muito e não receberam muito em troca, ao menos até aqui. Vamos esperar o que vem aí.

O acordo também foi recebido com bastante ceticismo no Congresso americano. Mesmo entre os republican­os (situação), há fortes dúvidas sobre o que o país ganhou nas concessões a Pyongyang.

Uma das grandes preocupaçõ­es a respeito da reunião, inclusive entre a equipe de Trump, é que ela dê legitimida­de —e munição para propaganda— ao regime ditatorial norte-coreano.

O aperto de mão de Trump e Kim, uma imagem poderosa, foi firmado diante de bandeiras enfileirad­as dos dois países. Eles posaram para fotos e mostraram cordialida­de, algo impensável há poucos meses.

“O custo está muito claro: foi dada legitimida­de a Kim. Mas ainda é uma questão aberta se isso irá estimulá-lo a adotar uma atitude mais pacifista ou não”, afirma o professor John Ciorciari, diretor do Centro de Política Internacio­nal da Universida­de de Michigan.

Para Ciorciari, o apelo à vaidade de Kim e sua busca por grandeza e reconhecim­ento global, satisfeito­s pelo encontro, podem convencer o nortecorea­no a buscar a paz. “Mas só o tempo dirá.”

Ainda não se sabe quanto tempo levará a desnuclear­ização prometida por Kim, pois o processo é demorado e depende de questões logísticas e de segurança. Trump afirmou acreditar o norte-coreano deve iniciar o processo “imediatame­nte”.

Ele ainda não descartou a possibilid­ade de viajar a Pyongyang em breve. Tampouco a de convidar Kim para uma visita à Casa Branca.

“Acho que ele [Kim] cumprirá sua parte. Posso estar errado, e daqui a seis meses vir aqui dizer que errei. Se bem que não sei se admitiria isso... mas eu acharia alguma desculpa

Donald Trump

presidente dos EUA

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O presidente dos EUA, Donald Trump (à dir.), e o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, caminham lado a lado em hotel em Singapura
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Kevin Lim/The Straits Times/Reuters O presidente dos EUA, Donald Trump, e o ditador Kim Jong-un caminham pelo hotel onde ocorreu o encontro em Singapura

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