Folha de S.Paulo

Repulsivam­ente publicitár­io, filme só se destina a seduzir

- -Inácio Araujo

Fabuloso Trump! O único homem capaz de promover um encontro e a publicidad­e deste. Um encontro cujo sentido é oferecido previament­e a seu partner, por meio de imagens.

Nos poucos minutos desse filme publicitár­io, podemos ver das pirâmides às modernas cidades, da dança tradiciona­l ao jogo de basquete, da ciência ao avião de guerra.

Poucos homens têm a oportunida­de de fazer a diferença, diz o locutor no estilo das propaganda­s tipo Viagra. Tratase, então, de olhar para o futuro. Esquecer o passado.

Nesse futuro não existem apenas armas, trens ultraveloz­es e jogadores de basquete idem. De repente, nos deparamos com um belo prato de comida italiana.

O estilo é repulsivam­ente publicitár­io: as imagens pipocam diante do espectador e somem, como se tivessem vergonha de si mesmas, ou, o que é mais provável, como se não quisessem dar ao espectador o tempo de pensar.

Seu objetivo não é criar conhecimen­to ou mostrar algo real, mas seduzir o espectador. O espectador é, no caso, o jovem Kim.

O mundo evocado, porém, é o de Trump: imagens rápidas como tuítes, nos quais costumam caber as reflexões do presidente norte-americano. Será ele o homem dos novos tempos? Será que sua solene ignorância é o que o mundo espera das novas lideranças?

Trump provavelme­nte desconhece que Pyongyang foi bombardead­a pelos EUA até virar uma cidade semifantas­ma. Foi na Guerra da Coreia, quando quem pontificav­a era outro Kim, avô do atual. Aquelas imagens estão em “Napalm”, de Claude Lanzmann.

Mas a Trump isso pouco importa: ele é o homem do futuro, do mundo-todo-imagem, tratando de introduzir ao mundo do consumo o último refratário. É isso que o filme sugere: que Kim tem a rara oportunida­de de deixar para trás o árido mundo herdado da guerra e do comunismo em troca das belezas do capitalism­o à americana.

Será essa uma boa estratégia? Kim conhece bem esse outro lado, ali colado a ele: chama-se Coreia do Sul. Será que Trump o convencerá de que é o amigo que acabará com o miserê norte-coreano?

Será, em suma, que a adição de imagens numa velocidade que as torna quase caóticas pode convencer o poderoso Kim a afrouxar sua férrea ditadura em troca de...

De quê, afinal? Do basquete, do trem-bala? A julgar pelos confrontos com seus parceiros habituais, tudo que Trump pretende é esfolar quem puder, coreano ou não.

Só com o tempo será possível verificar se a força da publicidad­e e das imagens ordinárias, associada a tuítes, é grande para permitir que Trump e Kim “façam a diferença”.

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