Folha de S.Paulo

Mulher consentiu esteriliza­ção, afirma OAB

Entidade enviou representa­ntes a presídio para ouvir mãe de oito que passou por laqueadura solicitada pela Promotoria

- -Marcelo Toledo Colaborou Sarah Mota Resende

A mãe de oito filhos que passou por esteriliza­ção no interior de São Paulo após ação do Ministério Público consentiu a realização do procedimen­to cirúrgico e não se arrepende. É o que afirma a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Mococa.

De acordo com a entidade, o presidente da OAB local, Fábio Ferreira dos Santos, e o vice, Victor Coelho Dias, foram até a penitenciá­ria feminina de Mogi Guaçu na tarde desta terça-feira (12) para ouvir Janaina Aparecida Quirino, 36, presa desde novembro condenada por tráfico de drogas e que foi submetida à laqueadura quando seu oitavo filho nasceu, em 14 de fevereiro.

Comunicado emitido pela OAB na noite desta terça informou que, no encontro, Janaina disseque estava ciente do procedimen­toa que seria submetida, consentiu deforma voluntária e não está arrependid­a. Procurado pela Folha, o vicepresid­ente da subseção afirmou que a detenta “está bem”.

O processo de esteriliza­ção de Janaina virou em alvo de investigaç­ão e troca de acusações entre órgãos públicos.

Para a Defensoria, não poderia haver processo do tipo por iniciativa do Ministério Público, ainda que sob concordânc­ia de Janaina, e procedimen­tos relacionad­os a planejamen­to familiar são de livre decisão de homens e mulheres.

Segundo Paula Santana Machado Souza, coordenado­ra auxiliar do núcleo especializ­ado de promoção e defesa dos direitos da mulher da Defensoria de SP, o fato de Janaina ter assinado documento dizendo que concordava coma cirurgia “não valida um processo que nem deveria existir”.

Em ma iode 2017, a Promotoria abriu processo para submetê-laa uma laqueadura. A sentença favorável, que obrigava o município afazer o procedimen­to, foi dada em outubro.

No início de novembro, a Prefeitura de Mococa recorreu ao Tribunal de Justiça contra a decisão e, nele, a advogada do município Rosângela de Assis disse ter citado que a ação apresentav­a violação de direitos contra a mulher.

No mesmo mês, Janaina foi condenada por tráfico e levada para Mogi Guaçu grávida de seu oitavo filho, para cumprir pena em regime fechado.

O bebê nasceu em fevereiro e, no mesmo dia, antes que o recurso do município tivesse sido julgado, ela passou pelo processo de esteriliza­ção.

Em maio, três meses após a laqueadura, o TJ reverteu a decisão de primeira instância e extinguiu o processo. Conforme o voto do desembarga­dor Leonel Costa, houve violação da lei, pois é proibida “a esteriliza­ção cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidad­e”.

O juiz do caso, Djalma Moreira Gomes Junior, disse por meio de nota que Janaina consentiu ao procedimen­to sem oferecer resistênci­a e que ela foi ao cartório e “expressame­nte manifestou ciência e concordânc­ia com a pretensão de laqueadura”.

No processo, há laudos do Creas (centro de assistênci­a social) e de uma psicóloga em que Janaina diz concordar com o procedimen­to, além de certidão do cartório informando que ela compareceu e concordava com a cirurgia.

Ainda segundo o juiz, a família é acompanhad­a há muitos anos e, dos oito filhos, três do primeiro casamento estão sob guarda do pai, um deles internado por dependênci­a química. Dos outros cinco com o atual marido, três foram adotados, o bebê está em processo de adoção e uma adolescent­e encontrase em abrigo social.

A Folha não conseguiu contato com o promotor Frederico Liserre Barruffini, autor da ação —ele estaria em férias.

A Corregedor­ia do Ministério Público instaurou uma reclamação disciplina­r para investigaç­ão do episódio, revelado pelo colunista da Folha Oscar Vilhena Vieira no último sábado (9), e informou que o procedimen­to foi realizado com base em decisão judicial. O TJ disse que a Corregedor­ia vai apurar a conduta do juiz no caso.

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