Folha de S.Paulo

Dos 2 lados do debate, corte se posicionou de forma defensiva ao decidir

- -Rubens Glezer Professor e coordenado­r do Supremo em Pauta da FGV Direito SP

A crise de autoridade do Supremo chegou a um novo piso. Entre 2012 a 2018, a corte deixou de ser percebida como o grande reservatór­io de moralidade democrátic­a para se tornar cada vez mais parte, e até causa, da crise política.

Durante esse período gastou muito mais capital político do que detinha; um processo acelerado pelas divisões internas e disputas públicas. Com isso, assistimos a um STF que aos poucos passou a ter dificuldad­es de enfrentar o Legislativ­o e o Executivo, para ser hoje um tribunal com dificuldad­e até mesmo para tomar decisões fáceis, como a proibição da condução coercitiva de investigad­os.

A dificuldad­e não é a jurídica, ou seja, o problema não está na parte “técnica” dos argumentos. A maioria dos ministros entendeu que levar um investigad­o à força para prestar depoimento não é compatível com o fato de nosso sistema conferir o direito ao silêncio.

Afirmaram que se o investigad­o tem o direito de não dizer nada à autoridade policial, não deveria ser levado obrigatori­amente pela polícia até a delegacia, dado o amplo risco de espetacula­rização ou abuso de autoridade no processo.

Já a maioria vencida não viu problema na utilização de um mecanismo penal muito menos severo do que prisões preventiva­s e, em certa medida, do que as prisões após condenação em segunda instância. Nada de extraordin­ário nesse tipo de divergênci­a.

O que chama a atenção foi o tom de “desculpas”. Quem votou pelo fim da condução reiterava que não estava contribuin­do com a impunidade e nem coadunando com corruptos.

Já quem votou pela constituci­onalidade reafirmava que abusos do sistema de justiça são esparsos, que as instituiçõ­es funcionam normalment­e e que não existe um conjuntura de violação de direitos fundamenta­is em nome de uma agenda moralizado­ra.

Por um lado, esse tom defensivo responde às acusações feitas em plenário por ministros como Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.

Enquanto Gilmar repetiu acusações a erros cometidos pela PF e sob a gestão de Janot no MPF, Barroso afirmou que essa mitigação dos instrument­os de investigaç­ão e controle da corrupção é um “surto de garantismo” voltado a proteger os interesses de determinad­os agentes que hoje são (ou correm o risco de ser) alvos de investigaç­ão e processo penal.

Por outro lado, é apenas parte da explicação sobre como votaram os demais ministros. Afinal, acusações desse tipo não são novidade no tribunal, que vem presencian­do discussões cada vez menos parcimonio­sas.

Esse parece ser um sintoma de que os ministros se deram conta que a força de seus votos e decisões não vem mais de seus argumentos jurídicos. Com isso, tentam fiar seu posicionam­ento em posturas e discursos políticos, ou seja, proteger sua autoridade com posturas políticas.

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