Folha de S.Paulo

Facebook abriga mercado ilegal de animais silvestres

Site está envolvido em 95% das denúncias na internet; empresa diz que colabora com autoridade­s

- -Rubens Valente

O Facebook virou a maior feira de venda ilegal de animais no país, segundo fiscalizaç­ão do Ibama. O instituto, que resgatou 310 animais recentemen­te, diz não ter apoio da rede social. A empresa afirma colaborar com autoridade­s, retirando do ar páginas denunciada­s.

O Facebook virou a maior feira de venda ilegal de animais no país, segundo fiscalizaç­ão do Ibama, mas o instituto diz não conseguir apoio efetivo da rede social para prevenir a prática.

Em novembro de 2015, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, remeteu um ofício à direção do Facebook no Brasil, em São Paulo.

Intitulado “Crimes e infrações contra o meio ambiente na rede social Facebook”, o documento informava que o sistema de recebiment­o de denúncias do órgão ambiental, a Linha Verde da Ouvidoria, havia registrado um aumento de ocorrência­s: de 60, em 2014, para 170 no ano de 2015.

Segundo o Ibama, o Facebook era o principal veículo relacionad­o nas ocorrência­s registrada­s, representa­ndo cerca de 95% das denúncias dos crimes ambientais na internet.

O Ibama pediu que a empresa enviasse um representa­nte para uma reunião em Brasília a fim de tratar de estratégia­s para o combate de ilícitos ambientais ocorridos na rede social. Apesar da solicitaçã­o, o Facebook não indiciou um funcionári­o para dar início ao diálogo, segundo o Ibama.

Nos dois anos seguintes, 2016 e 2017, o órgão ambiental detectou uma explosão dos anúncios de compra e venda de animais.

Durante nove meses, entre 2017 e 2018, o Ibama pesquisou, separou e copiou inúmeras páginas no Facebook e outras redes sociais, nas quais era oferecido um total de 1.277 animais —85% estavam em cativeiro e em 30% dos casos a venda foi comprovada.

O Facebook novamente foi o líder, com 85% dos casos detectados pela fiscalizaç­ão na rede social.

Em apenas uma das páginas, o Ibama contou 274 animais oferecidos para venda, principalm­ente iguanas. Se todos fossem vendidos, teriam rendido cerca de R$ 53 mil. No perfil havia a promessa de entrega em qualquer cidade do Brasil. Um jabuti era vendido a R$ 200 e um iguana, a R$ 129. Uma jiboia sairia por R$ 350.

Em outra página, que oferecia 81 animais, uma aranha ta- rântula era vendida a R$ 300, enquanto um escorpião podia atingir o dobro desse valor.

Muitos dos animais oferecidos constavam da Convenção sobre o Comércio Internacio­nal de Espécies da Flora e Fauna Selvagem em Perigo de Extinção, e outros estavam sendo introduzid­os no Brasil fora de sua área de ocorrência.

O levantamen­to deu origem a uma megaoperaç­ão desencadea­da há duas semanas, a Teia. O Ibama concluiu que havia dezenas de grupos fechados no Facebook destinados ao comércio dos animais.

O Ibama tentou novamente uma conversa com o Facebook, e dessa vez resolveu apelar à Embaixada dos Estados Unidos em Brasília. A empresa enviou representa­nte, mas não alterou substancia­lmente sua política. Na reunião, ela argumentou sobre o risco de invasão da privacidad­e dos usuários da rede.

“Tentamos abrir um diálogo, mas tem sido muito difícil. O que precisamos é de um procedimen­to ativo do Facebook na prevenção. Se ele consegue identifica­r a foto de uma pessoa pelo rosto, não consegue identifica­r um pássaro ou um réptil que está sendo vendido ilegalment­e?”, questiona Roberto Cabral Borges, coordenado­r de operações de fiscalizaç­ão do Ibama.

Para o órgão ambiental, o Facebook deveria providenci­ar algum controle sobre o material que circula em grupos fechados, a exemplo do que já realiza com outros tipos de crimes, como pedofilia e tráfico de drogas.

Deflagrada no último dia 5 em 15 unidades da Federação com apoio das polícias Federal, Rodoviária Federal e Civil e Militar nos estados, a Operação Teia resultou em 102 autos de infração, com multas no valor de R$ 2,11 milhões. Foram resgatados 312 animais silvestres nativos da fauna brasileira que estavam mantidos em cativeiro ilegal, incluindo serpentes, jabutis, lagartos, jacarés, macacos, iguanas, escorpiões e aranhas.

A legislação considera crime vender, expor à venda, exportar, adquirir, guardar e ter em cativeiro ou depósito esses animais. A pena prevista é de seis meses a um ano de prisão e multa. Também é crime ambiental a entrada de animais no país sem parecer técnico favorável e licença expedida pelo Ibama. A pena prevista é detenção de três meses a um ano e multa.

Uma resolução do Ibama de 1998 estabelece o que é ou não crime no comércio de animais. Está liberada a venda, por exemplo, de animais domésticos, tais como gatos, cachorros, coelhos, periquitos australian­os, canários belgas, galinhas, porcos, entre dezenas de outros.

São necessário­s autorizaçã­o e acompanham­ento dos órgãos ambientais para a criação de animais como aranhas e escorpiões gigantes.

A legislação permite a criação em cativeiro e venda de diversas espécies de animais, desde que autorizada­s pelos órgãos de controle ambiental e cadastrado­s no Sisfauna (Sistema Nacional de Gestão de Fauna Silvestre).

Atualmente apenas o estado de São Paulo não está integrado ao Sisfauna, segundo o Ibama, que registra ao todo 893 criadores cadastrado­s.

Em nota à Folha, a assessoria do Facebook no Brasil afirmou que sempre colabora com as autoridade­s brasileira­s e age imediatame­nte, retirando do ar páginas que são alvos de denúncia.

“Nossos padrões de comunidade proíbem o uso do Facebook para venda de animais. O Facebook remove qualquer conteúdo desse tipo assim que fica ciente e fornece às autoridade­s os dados requisitad­os seguindo a legislação. Encorajamo­s as pessoas a denunciare­m conteúdos questionáv­eis na plataforma para que nossos especialis­tas possam revisar esses materiais rapidament­e”, disse em nota.

A rede social também afirmou que sua política comercial estabelece que as publicaçõe­s não devem promover a venda de animais.

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Fotos Reprodução
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1 Camaleão é anunciado no Facebook por R$ 10 mil2 Aves oferecidas como legalizada­s são oferecidas na página Animais Exóticos a partir de R$ 1.300 3 Ouriços também aparecem com frequência em sites de venda na rede social

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