Folha de S.Paulo

O que pensam os eleitores de Ciro

A Folha convidou 11 moradores de São Paulo incluindo economista, estudantes, diarista e turismólog­o, dos 18 aos 56 anos, para falarem sobre por que escolheram votar no pedetista em outubro

- -Anna Virginia Balloussie­r e Thaiza Pauluze

Folha convida simpatizan­tes do pré-candidato (PDT) paraumbate-papo.

Já no fim de sua sabatina no “Roda Viva”, em maio, Ciro Gomes elegeu uma música predileta, “Carinhoso”, e um lema do coração, “há que endurecer, mas sem perder a ternura, jamais”, palavras atribuídas a Che Guevara.

Tanta ternura casa com o estilo “more presidenti­al” (mais presidenci­ável) que o pré-candidato do PDT à Presidênci­a diz querer ter, para deixar de uma vez por todas a fama de candidato espoleta —foi o que afirmou, por exemplo, após pedir desculpas por chamar Michel Temer de “conspirado­r filho da puta” num evento da PUC em 2016.

Mas é mesmo do Ciro sem papas na língua que gostam 11 de seus eleitores convidados pela Folha a discutir os prós e contras do seu nome favorito na eleição de outubro.

O universitá­rio André Suzart, 24, resume o sentimento do grupo: “A maioria [dos políticos] tem aquele jeito de falar contido —um lorde britânico, como diria Ciro. Ele falando da maneira dele traz uma autenticid­ade, e o momento talvez peça um pouco algo diferente”.

O momento, dizem, pede também um nome distinto daquele que monopolizo­u a esquerda nas últimas duas décadas: Lula, seja como o candidato do PT por quatro pleitos consecutiv­os, seja como o grande patrocinad­or da candidatur­a de Dilma Rousseff.

Nesse ponto o grupo é taxativo: o tempo de Lula passou, e seu partido precisa entender isso e apoiar um candidato progressis­ta com chances reais de vitória. Daí entra Ciro na história, o mais bem posicionad­o dos concorrent­es à esquerda nas pesquisas.

“Falta humildade ao PT. Concordo com Ciro, tem que respeitar o PT, foi um baque a prisão [do ex-presidente], um golpe [o impeachmen­t de Dilma], mas o PT tem que reconhecer que não tem condições de lançar um candidato”, afirma a caçula da mesa, a estudante Marina Luzzi, 18.

A decana da turma é a única a admitir que, se o PT conseguir lançar um nome forte, é ele quem terá seu voto, e não o ex-ministro de Lula. “Não vou mentir, sou petista. Mas também sou coerente, e a gente sabe que não tem candidato”, diz a diarista Maria de Lourdes do Nascimento, 56.

A professora Fayga Oliveira, 32, já dá a letra: “Como boa mineira, sou desconfiad­a”. Até aqui ela, que se achava “uma sabe-tudo em política”, vinha votando em petistas. Começou a dar mais ouvidos à oratória de Ciro. “Percebi que minha relação com o PT era instrument­al. As candidatur­as de Dilma e Lula nunca se davam ao trabalho de explicar nada [de suas propostas]. Era fácil, bem fácil votar no PT porque era se contrapor ao PSDB.”

Agora não faz tanto sentido enxergar o Brasil como um ringue político com o tucanato de um lado e o petismo do outro. O presidenci­ável do PDT está “conectado com o sentimento do povo, que é de raiva”, afirma Fayga, que administra nas redes sociais o perfil Cirão da Massa, com piadas como “Você faria campanha pelo Ciro? A Beth Faria” (junto, a foto do ex-governador do Ceará com a atriz).

Emilio Franco Junior, 30, se define como “aquela criança meio idiota que comemorava a propaganda eleitoral”. Cresceu, simpatizou com Marina Silva e voltou atrás quando ela ficou de fora do segundo turno em 2014 e deu as mãos a Aécio Neves (PSDB), o adversário de Dilma naquela corrida.

Se a esquerda fosse esperta, fecharia com Ciro, diz. Veja Guilherme Boulos, o presidenci­ável do PSOL. É um cara “muito à esquerda” para o estado de espírito brasileiro, e “hoje nenhuma candidatur­a identifica­da como radical, da esquerda ou da direita, conseguiri­a apaziguar os ânimos”.

Se Emilio é um viciado em política desde criancinha, o turismólog­o Victor Ferreira, 31, diz que no seu caso foi o oposto. “Só comecei a me interessar pelo assunto há pouco tempo, desde o golpe que a Dilma sofreu”. Todos na mesa concordam em classifica­r assim a destituiçã­o da petista.

Depois do episódio, Victor passou “a ouvir a opinião de todo mundo”. Até acha as ideias de Marina interessan­tes, “mas ela claramente não se posicionou” sobre o “golpe”, o que lhe custou pontos.

Pesquisado­r na FGV (Fundação Getulio Vargas), Marcelo Marques, 24, diz ter “muito respeito por [Geraldo] Alckmin”, a aposta tucana para 2018. Mas é no outro nativo de Pindamonha­ngaba (SP), só que radicado no Ceará, que que vê um aglutinado­r “capaz de unir periferia e industriai­s”.

E chega de falar em Lula isé so, Lula aquilo, pede a linguista Beatriz Silva, 29. “No momento em que o ex-presidente se coloca, a eleição se divide: ou você é Lula ou é não-Lula. E olha quanto tempo a gente vai gastar aqui falando disso enquanto as outras questões do país ficam silenciada­s.”

Estilo ‘pistola’

Em 2017, João Doria acusou Ciro de ser “emocionalm­ente instável” depois de o pedetista dizer que “preferia mil vezes um cara como Bolsonaro do que um farsante” como o então prefeito de São Paulo.

A Folha apontou que Doria não era o primeiro a colar o rótulo de explosivo em Ciro e perguntou se ele tinha, afinal, um problema de temperamen­to. “Quem deve dizer isso é o meu psiquiatra.” A reportagem quis saber: “O sr. tem um?” E ele, rindo: “Não”.

Na mesma entrevista, Ciro discorreu sobre o estilo “direto ao ponto” de um político num espectro ideológico avesso ao seu, mas com quem compartilh­a a fama de destempera­do: o presidente dos EUA, Donald Trump. “As pessoas estão percebendo que um dos elementos fracos da política é o moralismo de goela. Nunca tive tanta audiência nessa vida.”

“Com a política em si tão banalizada, tão desautoriz­ada, uma postura de liderança que se ponha como potente, que sabe o que está falando” virou ativo eleitoral, diz Marcelo.

Para Beatriz, Ciro sairá perdendo se tentar passar pelo que não é. “Se você tentar enlatá-lo como um produto de marketing, só prejudica ele”. Ela culpa a mídia por maximizar “três estereótip­os errados” sobre seu candidato: o de que é estourado, machista e coronel. “Isso é preconceit­o contra nordestino”, diz Fayga. “Não sei se os jornalista­s percebem, é muito patético.”

Marina concorda: é frustrante o tanto de espaço que dedicado aos “arroubos” de Ciro. “O cara foi governador, foi ministro, foi prefeito, e aí gastam 15 minutos falando sobre palavrão que ele disse.”

Uma coisa é preciso reconhecer, afirma o estudante Lorenzo Cesário Covas, 21. “Ao longo dos anos o Ciro foi evoluindo. Toma mais cuidado antes de falar certas coisas.”

“Ele fala que se coloca numa versão mais light”, afirma Marina. Uma questão, contudo, “vai sempre assombrá-lo”. Entrou para o anedotário político cravar que, na última vez em que tentou ser presidente, em 2002, Ciro acabou morrendo pela boca ao dizer que a atriz Patricia Pillar, então sua esposa, tinha um papel crucial: “Dormir comigo”.

Machismo

“Se a esposa não fosse a Patricia, nem sei se seria pauta”, lamenta a economista Daniele Custódio, 26.

A atriz comentou o episódio em entrevista deste ano ao jornal O Globo. “Convivi 17 anos com ele e ele nunca foi machista.” Naquela campanha, a pergunta sobre ela parecia ponto de honra para todos os entrevista­dores, “e sempre de forma provocativ­a”.

No dia fatídico, “já era a terceira ou quarta” vez que a mesma indagação surgia. “Ele já tinha respondido que conversáva­mos sobre tudo, porque era isso mesmo, compartilh­ávamos um projeto de Brasil. Mas aí perdeu a paciência e deu aquela resposta infeliz.”

Continuou a atriz: “As pessoas muitas vezes preferem os cínicos, os ‘educados’, que dizem coisas incríveis, mas fazem o oposto. Isso é terrível”.

Posição compartilh­ada pela educadora Fayga. “Sou feminista e tenho certeza de que, nos últimos 16 anos, devo ter dito muito mais do que uma frase machista. Quem não? Se disserem que foi só o Ciro, a gente tem um problema.”

Para o fotógrafo e jogador de pôquer Leandro Chemalle, 39, o presidenci­ável nem vai dar novas “declaraçõe­s graves pra arrebentar a campanha, mas notícia antiga também é um tipo de fake news”. O eleitor novo, diz, “talvez não consiga identifica­r que essa fala é de 2002”, não de agora.

Mas não é a única declaração com traços de machismo que Ciro deu em sua carreira política. No ano passado, pegou mal entre feministas ele dizer que faltava “apetite” para concorrer a Marina Silva, sobretudo num “momento [que] é muito de testostero­na”.

Quando injeta testostero­na no discurso, “ele erra na forma de falar”, diz Emilio. Não que a referência seja de todo equivocada, continua. “Acho que o perfil do Ciro vai dialogar com extremista­s. Inclusive o eleitor do Bolsonaro, quando se deparar com a falta de conteúdo [do capitão da reserva]. Acho que o que o país precisa é dessa testostero­na...”

Fayga intervém: “Não é só a Marina...” E Daniele: “O Alckmin não tem [testostero­na]!”

Emilio adota um tom cauteloso: “Não sei se são palavras certas, estou caindo no mesmo erro dele [em associar testostero­na à força política]. Tem que ser valentão”.

Passado tucano

Contando com esta, o pré-candidato terá tentado chegar ao Palácio do Planalto três vezes —as duas primeiras pelo PPS, em 1998 e 2002, e agora pelo PDT de Leonel Brizola.

Ciro é rodado na vida partidária. Por influência do pai, ex-prefeito de Sobral (CE), começou a carreira política no PDS. Foi o nome que o militar Arena adotou em 1979, decretado o fim do sistema bipartidár­io da ditadura.

Logo foi para o MDB, e depois: PSDB, PPS, PSB e Pros até chegar à atual morada, o PDT. A relação mais duradoura se deu com os tucanos: em 1990 foi o único governador eleito pela legenda, da qual só saiu oito anos depois, quando perdeu a eleição para Fernando Henrique Cardoso.

Nem o pula-pula partidário nem os tempos de tucanato abalam seus eleitores. Tudo bem que Brasília está empesteada de políticos oportunist­as que mudam de legenda como quem troca de gravata, mas com Ciro é diferente, prega seu eleitorado.

“Muita gente o critica por ter pingado por muitos partidos, mas esse pinga-pinga é justamente pela coerência”, diz Leandro.

O discurso espelha o do próprio pré-candidato, que em 2017 justificou à Folha a passagem por sete partidos assim: “Meu problema é que eu tento ser correto. Ajudo a fundar o PSDB, por exemplo. Elegemos o FHC, que escolhe o PFL [atual DEM] para vice, diz para o povo esquecer o que ele escreveu, faz o PMDB entrar no governo com Eliseu Padilha, Romero Jucá, essa mesma turma. Para ser coerente, fico ali calado ou criando caso?”

“O PSDB era centro-esquerda na origem. Só depois virou sinônimo de neoliberal­ismo. O PSDB mudou, e o Ciro mudou”, diz Fayga. Emilio fecha com ela: “Quem deixou de ser o que era é o PSDB, não ele”.

O economista Luiz Carlos Bresser-Pereira é outro com o tucanato no currículo “e hoje ele é identifica­do com a esquerda”, lembra André.

Para Beatriz, “Ciro não cor-

re, digamos, nenhuma chance de ser diminuído” pela dança das cadeiras partidária. “Ele sempre deixou muito claro quais são as ideias dele.”

Melhor rival

Quem seria o adversário dos sonhos para um segundo turno com o pedetista? Nesse ponto a mesa racha.

Ciro tem seu preferido: Jair Bolsonaro (PSL), o que “parece menos difícil de ser derrotado”, como disse em sabatina feita por Folha, UOL e SBT.

O grupo não compra muito essa hipótese. Todos apostam que a campanha do ex-capitão do Exército —que no Datafolha chega a 19% da preferênci­a do eleitorado— vai desidratar no primeiro turno.

O candidato da direita “a gente sabe que é o Alckmin”, diz André, mas ele “é muito insosso”. Só que o presidente do PSDB ganha espaço pelas alianças, afirma Emílio. “Mais aliança é mais tempo de TV e mais visibilida­de”, cartada certa para chegar à reta final.

Marcelo também acredita que, na hora do vamos ver, é com os tucanos que Ciro rivalizará —o “esperado para a democracia”, ao contrário de Bolsonaro, que seria a “antítese de toda a caminhada democrátic­a que fizemos nos últimos 30 anos”, afirma.

O pedetista já disse que, se Fernando Haddad substituir Lula como cabeça de chapa do PT, um plano B do partido, “seria o céu”, caminho para “um debate elegantérr­imo”.

Fayga descarta a ideia. “Ninguém quer esse job [trabalho]” de ser o estepe do PT. Um candidato petista, qualquer que seja, não mete medo na turma. “O partido mesmo disse que a ideia agora é lutar pelo legado do Lula. Eles não têm condições de fazer um debate presidenci­al”, diz.

A professora nutre “um fio de esperança de que o PT”, partido no qual votou por anos, “vai apoiar o Ciro”.

Outra aliança em alta conta: PSB. “É a segunda perna para estabiliza­r” a campanha do pedetista, diz Leandro. Ciro também vê o apoio como um “sonho de consumo”.

Discutir parcerias é sempre bom, mas Beatriz diz que votos brancos e nulos ou o eleitor que simplesmen­te não vai votar serão o maior desafio para qualquer candidato.

Vice dos sonhos

A muito discutida parceria entre Ciro Gomes à frente da chapa e o petista Fernando Haddad de copiloto “ia ficar bonitinha na foto”, diz André.

Do ponto de vista eleitoral, contudo, não é uma manobra inteligent­e na opinião do estudante. “Acho que Haddad seria fraco, vide seu desempenho em São Paulo [a derrota em primeiro turno para Doria em 2016]. Procurar alguém do setor da produção seria melhor, dialogaria mais com o projeto nacional.”

O pedetista já disse que “um vice da produção, ligado ao Sudeste do país” seria um belo complement­o a seu perfil, um economista atrelado à política nordestina —com raízes em Sobral (CE), seu clã, os Ferreira Gomes, emplacou os primeiros prefeitos da cidade: em 1890, Vicente César Ferreira Gomes, e em 1892, José Ferreira Gomes.

Se Leandro vê Haddad como “vice dos sonhos”, Fayga acha que, nessas horas, é preciso pragmatism­o. “A gente não faz chapa pra fazer amizade.”

Alianças

Se tem um partido que Ciro diz não querer ver nem se pintado de ouro, é o MDB. Na semana passada, ele afirmou que a legenda de Michel Temer é a única com a qual não faz alianças. “Se deixar a porta aberta, vai vir abanando o rabo, mas está avisado que por esta porta não entra. Ladrão do MDB vai me fazer oposição”, declarou.

Ok, o discurso é bonito, mas cadê a coerência ética? Nesse ponto o pedetista deixa a desejar, diz Emilio. “O sistema não permite que uma candidatur­a ética chegue ao poder. A pessoa vai ter que fazer aliança com quem não deve [se quiser vencer]. A única parte de demagogia [no discurso de Ciro] é bater no MDB, mas conversar com PP e outros partidos tão podres quanto.”

Ciro também tem se aproximado do DEM, legenda costumeira­mente associada à direita e que emplacou o vice de FHC em 1994 e 1998, quando ainda se chamava PFL.

Ele também intensific­ou conversas com partidos de esquerda que, sem Lula na jogada, poderiam pular para o barco pedetista. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), já defendeu que seu partido abra mão de sua presidenci­ável, Manuela D’Ávila, e que o PT e o PSOL sigam o mesmo exemplo.

Uma união da esquerda “seria totalmente coerente”, até para barrar “o perigo que corremos da extrema direita subir ao poder”, diz Lorenzo.

Ele acha bom que Ciro não tenha assinado o manifesto para dizer que “eleição sem Lula é fraude”. O Partido dos Trabalhado­res, afirma, “nunca conversou com os outros, nunca teve interesse em republican­ismo mais aprofundad­o, e Ciro tem um pouco de ressentime­nto em relação a isso, acho”.

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LORENZO CESÁRIO COVAS• 21 anos• estudante• católico• mora na Bela Vista (região central)
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DANIELE CUSTÓDIO• 26 anos• economista• católica• mora no Grajaú (zona sul)

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