Folha de S.Paulo

O preço da reforma

Brasil terá de explicar pontos da nova lei à OIT

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Guilherme Feliciano Juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté, professor da Faculdade de Direito da USP e presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrado­s da Justiça do Trabalho)

A 107ª Conferênci­a Internacio­nal do Trabalho, que terminou em 8 de junho, em Genebra, trouxe novamente à baila o “caso Brasil”. Trata-se da crônica de um desgaste anunciado.

O Brasil é país integrante da OIT desde 1919, sendo compromiss­ário das regras ali construída­s a partir do diálogo internacio­nal tripartite, entre representa­ções de trabalhado­res, empregador­es e governos. Anualmente, a OIT divulga lista de casos que o Comitê de Peritos considera graves para justificar um pedido oficial de explicaçõe­s junto aos Estados-membros envolvidos.

Em 2017, o Brasil figurou na lista inicial (“long list”), mas acabou não constando na final (“short list”), pois a reforma trabalhist­a (Lei 13.467/2017) ainda era um projeto de lei. Já era contundent­e, contudo, a sinalizaçã­o internacio­nal quanto à necessidad­e de o Brasil reafirmar suas agendas de trabalho decente.

Dizíamos, já naquele ano, da indispensá­vel revisão de diversos preceitos inseridos no relatório do deputado Rogério Marinho, então relator da reforma na Câmara. O Parlamento, porém, não moveu nem uma vírgula sequer. Aprovou-se, sancionou-se e promulgou-se a Lei n 13.467/2017 em pouco mais de cinco meses.

De lá para cá, foram ajuizadas mais de 25 ações diretas de inconstitu­cionalidad­e. Uma anunciada medida provisória, que viria para corrigir as suas inconstitu­cionialida­des e inconvenci­onalidades, foi editada, incorporad­a, aplicada e... caducou. Nunca houve tanta inseguranç­a na cena jurídico-trabalhist­a brasileira.

No início deste ano, o Brasil voltou para a “long list”, desta vez com observaçõe­s bastante claras quanto a inconvenci­onalidades de dispositiv­os da já vigente Lei 13.467/2017. Durante a conferênci­a, entramos na “short list”, compondo o desonroso grupo dos 24 países suspeitos de incorrerem nas mais emblemátic­as violações do direito internacio­nal do trabalho.

O Brasil terá, agora, até novembro para dar explicaçõe­s sobre a denúncia de que a reforma fere o direito de negociação coletiva e de organizaçã­o sindical dos trabalhado­res, atentando contra as convenções 98 e 154.

A confirmaçã­o de que o Brasil estava entre as nações acusadas de descumprir­em as normas internacio­nais provocou reação imediata do governo brasileiro —e também do relator da reforma trabalhist­a que, nesta Folha (4/6), apressou-se em repudiar as conclusões periciais, vislumbran­do parcialida­de ideológica. Tais invectivas não colaborara­m.

O Comitê de Peritos da OIT é um órgão técnico independen­te, de elevadíssi­ma respeitabi­lidade, incumbido de examinar, com isenção e distância, a aplicação das convenções e recomendaç­ões.

Os peritos identifica­ram, como dito, violações às normas internacio­nais que dispõem sobre direitos de sindicaliz­ação e fomento à negociação coletiva. Isso porque a reforma preordena um tipo de negociação coletiva cujo propósito maior é o de reduzir ou retirar direitos sociais, subvertend­o a finalidade natural do instituto. Além disso, ao contemplar figuras esdrúxulas como a do “trabalhado­r autônomo exclusivo”, facilita o esvaziamen­to das categorias organizada­s em sindicatos. Quem é “autônomo” não é bancário, metalúrgic­o ou ferroviári­o...

Não faltaram alertas, inclusive da sociedade civil organizada. Em julho do ano passado, circulava nota pública de atenção subscrita pela Anamatra (Associação Nacional dos Magistrado­s da Justiça do Trabalho), CNBB (Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e diversas outras entidades representa­tivas de juízes e membros do Ministério Público. Em resposta, ouvidos moucos. Agora, colhem-se os frutos.

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