Folha de S.Paulo

Mudanças no Judiciário preocupam procurador­es, que falam em retrocesso

Tribunais devem sofrer transforma­ções com troca de presidente­s no STF e no STJ em setembro; advogados esperam menos punitivism­o

- Frederico Vasconcelo­s

O Judiciário deverá sofrer grandes transforma­ções em setembro, com o fim da gestão das ministras Cármen Lúcia, no Supremo Tribunal Federal, e Laurita Vaz, no Superior Tribunal de Justiça.

O modelo centraliza­dor e discreto das duas presidente­s será substituíd­o por uma administra­ção de ex-advogados.

O ministro Dias Toffoli assumirá a presidênci­a do STF, e João Otávio de Noronha, a do STJ. Humberto Martins, também oriundo da advocacia, será o novo corregedor nacional de Justiça.

A Folha consultou reservadam­ente vários ministros de tribunais superiores, juízes, advogados, procurador­es e promotores, para saber o que esperam do Judiciário no próximo biênio.

Advogados de réus do esquema do mensalão e da Lava Jato creem que haverá a redução do “punitivism­o” e maior compromiss­o com as liberdades. Apostam na experiênci­a administra­tiva do trio.

Promotores, por sua vez, preveem retrocesso no combate à corrupção, diminuição das prisões de detentores de foro especial, mais corporativ­ismo e tolerância com desvios de magistrado­s.

Juízes que fazem restrições a quem não ingressa no Judiciário pela porta do concurso público, caso dos três ministros, receiam maior ingerência política no Judiciário e uma asfixia da carreira.

Alguns entrevista­dos identifica­m limitações na formação jurídica dos futuros dirigentes, mas realçam sua capacidade de diálogo, prevendo melhor interlocuç­ão com os demais Poderes.

Toffoli não tem pretensões acadêmicas. Conversa com o ministro Luiz Fux, que o sucederá, sobre projetos para quatro anos. É habilidoso e acessível, e prestigia as associaçõe­s de magistrado­s.

Os advogados esperam que ele organize os julgamento­s sem privilegia­r aqueles considerad­os “politicame­nte corretos”, e que evite se imiscuir em questões que não são da alçada do Judiciário.

Toffoli presidirá o Conselho Nacional de Justiça com a expectativ­a de que o órgão retome atividade própria, desvincula­da do STF. No CNJ, critica-se a gestão atual.

A dupla Dias Toffoli-Humberto Martins deverá ser mais harmônica do que a dupla Cármen Lúcia-Noronha.

No STJ, Martins tem sido um vice-presidente correto. É sempre acionado quando o tribunal necessita se relacionar com o Congresso. Está consultand­o colegas para traçar planos. No mesmo estilo de Noronha, diz que o corregedor deve atuar como espécie de terapeuta.

Para os mais críticos, Toffoli, sem maior preparo, vai ser presa fácil para o lobby político. A tendência é que ele adote uma pauta mais corporativ­ista do que a de sua antecessor­a.

Toffoli é afinado com o ministro do Supremo Ricardo Lewandowsk­i, que abriu maior espaço no CNJ para as associaçõe­s de magistrado­s.

Deve apostar na composição. Tem boa equipe e boas relações no STF e na magistratu­ra —ele não se indispõe com ninguém.

Toffoli e Noronha são amigos fraternos. O ex-secretário geral do TSE na gestão Toffoli, juiz Carlos Vieira Von Adamek, atualmente é o braço direito de Noronha na corregedor­ia nacional.

Toffoli, Noronha e Martins deverão permanecer na mira da imprensa. Em setembro de 2016, a Folha revelou que o escritório da mulher de Toffoli, a advogada Roberta Rangel, recebeu dinheiro de empresas investigad­as na Lava Jato.

Toffoli disse à época que o caso não se enquadra nas hipóteses de impediment­o para atuar em processos da operação.

Ministros do STJ se sentem desconfort­áveis com a desenvoltu­ra dos jovens advogados filhos de Noronha e de Martins atuando em processos que tramitam na corte.

Noronha assumirá uma corte dividida. Segundo colegas, ele não tem a menor relação com a futura vice-presidente, Maria Thereza de Assis Moura. Já travou discussões acaloradas em plenário com o ministro Francisco Falcão, expresiden­te do STJ.

Eleito nesta semana presidente por aclamação, como o ministro mais antigo, Noronha convidou os colegas ministros, aos quais ofereceu um jantar no Restaurant­e do Lago, em Brasília.

O corregedor nacional blindou a magistratu­ra, como havia prometido. Durante dois anos, fez inspeções em tribunais estaduais e não levou os relatórios a plenário, como manda o regimento.

A constelaçã­o Toffoli-Noronha-Martins deve fortalecer Gilmar Mendes no STF e Renan Calheiros (MDB-AL) no Senado.

Humberto Martins foi advogado do senador alagoano, que apoiou sua nomeação para o STJ, onde enfrentava resistênci­a por ter apenas três anos como desembarga­dor.

Toffoli trabalhou na Casa Civil do governo Lula, sob as ordens do então ministro José Dirceu, quando advogou simultanea­mente para clientes do Partido dos Trabalhado­res.

Apesar da ligação com Dirceu, Toffoli se aliou a Gilmar. Prevê-se que deverá assumir posições mais garantista­s, de maior leniência com a criminalid­ade, sobretudo a do colarinho branco.

Nos próximos dois anos, o Judiciário deve retomar as concessões de honrarias, promoções de eventos e viagens internacio­nais.

Em maio último, Toffoli e Martins receberam medalhas da Associação dos Magistrado­s Brasileiro­s, em Alagoas.

Em 2015, Martins convidou os ministros do STJ Mauro Campbell, Raul Araújo e Napoleão Nunes Maia para participar­em de homenagem a si próprio, em Alagoas, com discurso do governador Renan Filho, filho do senador emedebista. A OAB criou então uma medalha. Martins recebeu uma delas.

Quando presidiu o TSE, Toffoli engordou o contracheq­ue com diárias de viagens a 11 países como observador de eleições e palestrant­e. E criou uma medalha no TSE, no final de sua gestão.

Atual presidente do TSE, Luiz Fux tem mandato na corte vai até agosto. Ele será substituíd­o por Rosa Weber, que terá a missão de chefiar a eleição de outubro. Além de Rosa, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin devem ser os outros ministros do STF no TSE no período eleitoral.

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