Folha de S.Paulo

Delações no armário

Acusações não confirmada­s levam a questionam­ento do jornal

- Paula Cesarino Costa

Leitor da Folha há mais de vinte anos, César G. Fricks escreveu à ombudsman com crítica incisiva: “Algumas reportagen­s investigat­ivas que resultam em acusações são posteriorm­ente negadas pelos envolvidos de forma que parece convincent­e ao leitor. No entanto, não há uma tréplica por parte do jornalista ou uma admissão de erro.” A preocupaçã­o do leitor é pertinente.

Em 20 de maio, título na capa da Folha dizia: “Promotoria apura caixa dois da CCR para Alckmin”. De acordo com reportagem de destaque do caderno “Poder”, representa­ntes da empresa relataram ao Ministério Público de São Paulo que cerca de R$ 5 milhões haviam sido destinados ao caixa dois da campanha do exgovernad­or tucano em 2010.

Em 3 de junho, Marcelo Martins de Oliveira, advogado de Alckmin, escreveu artigo na Folha em que afirmava ter obtido cópias integrais da tal investigaç­ão. “Nela simplesmen­te não consta nenhuma referência, muito menos acusação, sobre Geraldo Alckmin. O fato, noticiado como verdadeiro, não existe. Não havia nem sequer menção indireta ao exgovernad­or”, afirmou.

O que a Folha fez a partir daí? Responde o leitor: “Nada mais foi publicado a respeito.”

O editor de Poder, Fabio Zanini, disse que a reportagem refere-se a negociação de acordo de delação e leniência da CCR com o Ministério Público. “Nesses depoimento­s preliminar­es, houve a revelação de caixa dois para o cunhado de Alckmin. Não tomamos o dado como verdade, apenas descrevemo­s um fato e atribuímos a autoria da informação. E demos espaço para o outro lado.”

Segundo Zanini, a Folha baseou-se em fontes com acesso à negociação da delação, que ainda não foi formalizad­a.

Jornalista­s costumam gracejar sobre cadáveres escondidos no armário. A imagem, por vezes, volta-se contra eles.

Em 14 de junho de 2016, após revelação inicial feita pelo jornal O Globo, a Folha apurou, confirmou e publicou em manchete: “Marina queria evitar elo com empreiteir­a, diz sócio

da OAS”. A reportagem tratava da negociação de delação do empresário Léo Pinheiro, dono da OAS, na qual apontaria que a campanha de Marina Silva teria recebido dinheiro da empreiteir­a por meio de caixa dois. Marina nega peremptori­amente tal negociação.

O jornalista Nilson de Oliveira, que integrou a Coordenaçã­o de Comunicaçã­o de duas campanhas de Marina à Presidênci­a (2010 e 2014), apontou falhas na reportagem. O editor de Poder afirmou que todas as informaçõe­s do texto tinham sido checadas com dois interlocut­ores de Léo Pinheiro e dois investigad­ores da Operação Lava Jato.

Faz dois anos da manchete e até hoje a delação não foi homologada. A Folha não publicou nenhuma linha que, por investigaç­ão própria, pudesse lançar luz sobre o episódio.

O caso voltou à tona em 7 de junho, após o TSE anunciar o que definiu como “a primeira decisão sobre um caso de divulgação de notícias falsas na internet.” O tribunal mandou o Facebook tirar do ar cinco publicaçõe­s feitas em 2017 que associam Marina a pagamentos feitos por empreiteir­as investigad­as pela Operação Lava Jato. Elas são baseados em notícias publicadas pela Folha e outros órgãos de imprensa.

Oliveira voltou a escrever, cobrando correção da notícia de 2016. Zanini reafirmou que a reportagem “atribui tudo a Léo Pinheiro e oferece espaço ao contraditó­rio”. Reconheceu que “o acordo desandou e até hoje não foi assinado”.

E como fica o leitor? Sem saber em quem acreditar, fica dividido entre a versão de acusadores e acusados.

Por mais que reconheça que a Folha buscou trazer à tona informaçõe­s de interesse público, considero que falhou, por limitar-se a reproduzir informaçõe­s sem explicitar a origem e por não se empenhar em investigaç­ões que corroboras­sem a narrativa que publicou.

A definição de notícia falsa é mais ampla do que o simples relato mentiroso. Notícia incompleta, falsa, incorreta, distorcida, tudo isso tem sido considerad­o fake news.

A postura passiva dos jornalista­s, às vezes como mero repassador­es de informaçõe­s de fontes que se escondem no anonimato, sem levar a cabo apurações rigorosas e independen­tes, estimula o leitor a duvidar desses relatos e afeta sua confiança na imprensa.

 ?? Jesco Denzel/Divulgação Presidênci­a da Alemanha ?? Foto tirada pelo fotógrafo de Angela Merkel (Alemanha ) 1 na reunião do G7 viralizou; a mesma cena retratada pela equipe de Emmanuel Macron (França) 2 , de Giuseppe Conte (Itália) 3 ede Donald Trump (EUA) 4
Jesco Denzel/Divulgação Presidênci­a da Alemanha Foto tirada pelo fotógrafo de Angela Merkel (Alemanha ) 1 na reunião do G7 viralizou; a mesma cena retratada pela equipe de Emmanuel Macron (França) 2 , de Giuseppe Conte (Itália) 3 ede Donald Trump (EUA) 4
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Dan Scavino Jr. no Twitter
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Divulgação Presidênci­a da França
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Reprodução Twitter

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