Folha de S.Paulo

Trump abre guerra com o mundo

Em vez de ‘América Primeiro’, está criando ‘América sozinha’

- Clóvis Rossi É repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha. É vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Ou o presidente americano, Donald Trump, tem na cabeça um plano fantástico do qual o mundo inteiro não tem nem cheiro, ou tudo o que ele conseguirá com sua obsessão com o “América primeiro” é deixar a “América sozinha”.

Não creio que será bom para os EUA, e certamente terá consequênc­ias para o resto do mundo, Brasil inclusive.

O “América sozinha” ficou claramente desenhado neste mês. Primeiro, Trump brigou com seus aliados históricos do G7, também seus principais parceiros comerciais, se tomados em conjunto.

Agora, no fim da semana, ataca a China, a segunda maior potência econômica do planeta, além de uma impression­ante usina comercial.

É bom lembrar que, por mais que Trump tenha lá suas simpatias por Vladimir Putin e seus modos autoritári­os, os EUA mantêm sanções à Rússia desde a ocupação da Crimeia.

Ainda há o impasse na renegociaç­ão do Nafta (o acordo de livre-comércio da América do Norte) —ou seja, uma controvérs­ia com os dois países que fazem fronteira com os EUA.

Para não mencionar a retirada do acordo do clima de Paris, o que significa romper com um entendimen­to que reuniu praticamen­te todo o planeta.

Por fim, há a saída do acordo nuclear com o Irã, na contramão de todos os países com poder de veto do Conselho de Segurança da ONU (mais a Alemanha), que o assinaram com os americanos. É ou não a “América sozinha”?

É o que diz também uma economista conservado­ra, Anne Krueger, ex-economista-chefe do Banco Mundial, em artigo para o Project Syndicate, analisando apenas o aspecto comercial do “trumpismo”:

“No segundo ano de sua Presidênci­a, Donald Trump dobrou a aposta em sua marca de nacionalis­mo econômico ‘América Primeiro’ ao fazer demandas impossívei­s aos aliados americanos e ao escalar uma guerra comercial de múltiplas frentes. Ao fazê-lo, no entanto, ele só consegue garantir que os próprios americanos arcarão com os custos”.

Mesmo um governador republican­o como John Kasich (Ohio) discorda do enfoque de seu correligio­nário, embora até entenda as queixas dos que se sentem prejudicad­os pela globalizaç­ão (esta também, é bom que se diga, uma invenção primordial­mente dos EUA).

No número da revista Foreign Affairs que começou a circular neste fim de semana, Kasich começa dizendo que “o sistema internacio­nal que os EUA e seus aliados criaram após a Segunda Guerra Mundial beneficiou o mundo inteiro, mas o engajament­o político e econômico global deixou os americanos demais para trás”.

São esses americanos que Trump prometeu resgatar, durante a campanha e após a vitória. Mas Kasich acha que, “embora os líderes americanos devam sempre pôr os interesses americanos em primeiro lugar, isso não significa que temos que construir muros, fechar mercados ou isolar os EUA agindo de forma a alienar nossos aliados”.

Não é preciso, portanto, recorrer a análises dos opositores para desconfiar de que a política do Trump não prestará. Se só os americanos pagarem por ela, problema deles. Mas, para o Brasil, o problema é que nem há um governo em funções capaz de reagir à guerra comercial à vista, nem candidatos que pensem no tema. É o “Brasil sozinho” também.

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