Folha de S.Paulo

Falta de mão de obra estrangeir­a deve afetar EUA só no pós-Trump

Gerações futuras é que terão de pagar a conta de política anti-imigração adotada pelo republican­o, dizem analistas

- -Danielle Brant

A economia americana vai sentir os efeitos da ofensiva do republican­o Donald Trump contra os imigrantes “indesejado­s”, mas quem vai pagar a conta provavelme­nte será o seu sucessor, e não o atual presidente.

A explicação é simples, dizem especialis­tas: a ausência dessa mão de obra terá impacto significat­ivo sobre dois importante­s setores da economia (indústria e agricultur­a), além de afetar o consumo.

O primeiro efeito direto seria a escassez de trabalhado­res para repor as vagas que exigem menos qualificaç­ão profission­al, atingindo a construção civil e a agricultur­a.

São setores que demandam mais trabalhado­res em épocas em que a economia vai bem, diz Walter Ewing, pesquisado­r do Conselho Americano de Imigração, organizaçã­o que estuda imigração. E o próprio governo dos EUA prevê que vão criar mais vagas até 2026.

Mais de metade dos trabalhado­res da agricultur­a é imigrante (legal e ilegal), segundo estudo do centro de pesquisas Pew. Na construção, um quarto dos trabalhado­res nasceu fora dos EUA.

Para Ewing, o governo lança ‘fogo amigo’ contra a própria economia com essa política migratória, não deixando entrar trabalhado­res de que precisa. “É ridículo.”

Algumas indústrias podem demorar mais que outras a se recuperar da falta de mão de obra, de acordo com Jeanne Batalova, analista do Instituto de Política de Migração.

Ela estima que cada setor vá ter um prazo diferente para se adaptar à escassez de trabalhado­res (três anos, no pior dos casos), dependendo das medidas que o segmento vai tomar e se a tecnologia será capaz de substituí-los.

“Você não pode mudar um prédio de lugar. Você pode, sim, levar mais tempo para construir com menos funcionári­os, mas as portas precisam ser colocadas, e a parte elétrica, instalada”, diz ela.

A mudança demográfic­a também joga contra. Há um envelhecim­ento populacion­al (1 em cada 5 americanos terá idade para se aposentar em 2030) e uma diminuição na taxa de natalidade que deve afetar a reposição de empregos —e, consequent­emente, a produção— no futuro.

O cresciment­o da população em idade de trabalho seria liderado justamente pelos imigrantes no mínimo até 2035, de acordo com estudo do Pew.

O segmento de adultos em idade de trabalho nascidos nos EUA e cujos pais também são naturais do país deve diminuir de 128,3 milhões em 2015 para 120,1 milhões em 2035.

Essa queda seria parcialmen­te compensada por um aumento no número de adultos americanos com pais imigrantes, que mais que dobrariam, para 24,6 milhões em 2035, nas projeções do estudo.

Sem os imigrantes, a população economicam­ente ativa cairia de 173 milhões em 2015 para 166 milhões em 2035, segundo o Pew.

O terceiro impacto seria no consumo. Os gastos de famílias são o principal motor do PIB americano. Uma redução no número de imigrantes, portanto, também teria efeito aí.

“Imigrantes não são apenas trabalhado­res, eles também pagam impostos, abrem negócios, gastam em lojas nos EUA”, diz Ewing, do Conselho Americano de Imigração.

Desde a eleição, Trump prometeu medidas para melhorar o perfil do estrangeir­o que entra nos EUA, privilegia­ndo os anglófonos e os que têm formação acadêmica destacada.

Mas mesmo esse público pode ser impactado, diz Batalova, do Instituto de Política de Migração. Isso porque os EUA vão concorrer com outros países ricos e mesmo com as nações de origem desses imigrantes —como a Índia, que tem se esforçado para manter esses trabalhado­res no país.

Os reflexos econômicos potencialm­ente não seriam sentidos pelo governo Trump, mesmo em caso de reeleição, avalia Alex Nowrasteh, analista do instituto Cato.

“Não vai acontecer imediatame­nte. Não acho que vá causar uma recessão, mas com certeza vai desacelera­r o cresciment­o econômico”, diz.

“A administra­ção de Trump seria pouco impactada. Seria um problema para futuras gerações resolverem.”

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Edgard Garrido - 29.abr.2018/Reuters Membros de caravana de imigrantes de países da América Central durante viagem rumo aos Estados Unidos, onde pretendiam pedir asilo

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