Folha de S.Paulo

Migrantes recorrem a creches ilegais em Israel

- -Daniela Kresch

tel aviv Dezenas de bebês num quarto de 30 metros quadrados com apenas uma ou duas cuidadoras para atender a necessidad­es como troca de fraldas, alimentaçã­o e banhos.

Um mar de berços lado a lado, cada um com três ou quatro crianças, em meio a muito choro e sujeira. O cenário é o de um dos chamados “depósitos de crianças” que funcionam no sul de Tel Aviv, nos quais imigrantes, muitos ilegais, deixam seus filhos para poder trabalhar.

A maioria dos estimados 5.000 filhos de imigrantes em Tel Aviv —85% deles da Eritreia— frequenta cerca de 90 creches ou jardins de infância privados não inspeciona­dos. São, em geral, estabeleci­mentos baratos, pequenos e com poucas cuidadoras, as quais recebem salário baixo e cumprem jornadas exaustivas.

A falta de condições para cuidar de tantas crianças simultanea­mente e o amadorismo da situação toda são, por vezes, fatais. Na última década, 17 crianças morreram nesses locais por negligênci­a.

“Em geral, as vítimas são bebês, que morrem porque sacos plásticos caem em seus rostos e ninguém percebe. Ou sufocam com mamadeiras”, conta Ofira Ben Shlomo, diretora da ONG Unitaf, que tenta oferecer uma melhor opção aos imigrantes.

“Também há casos de estrangula­mento com fios de cortinas ou cabos elétricos. Houve ainda episódios de queda de crianças pela janela ou de atropelame­nto, porque saíram à rua desacompan­hadas.”

O tempo médio de permanênci­a de uma criança nesses ambientes é de 12 horas por dia. Elas ficam em berços e carrinhos, não se movem em espaços abertos e seu desenvolvi­mento motor é significat­ivamente prejudicad­o. Também há alterações emocionais causadas pela falta de atenção.

Em Israel, toda criança a partir dos três anos tem direito a frequentar gratuitame­nte uma creche pública. Mas até essa idade não há serviço grátis.

Para complicar, para alunos de entre três e seis anos, os jardins de infância gratuitos só funcionam até as 13h (depois desse horário, há escolinhas pagas). Berçários, creches e escolinhas privadas de nível bom são caros. Isso leva à busca de estabeleci­mentos mais baratos.

A Unitaf tem o apoio da Prefeitura de Tel Aviv, que sustenta o Messila (Centro de Ajuda e Informação para a Comunidade Estrangeir­a). Começou em 2005 com uma creche e 60 crianças.

Hoje, tem cem funcionári­os e 40 voluntário­s (80% deles estrangeir­os) distribuíd­os em três creches, nove berçários e 13 escolinhas.

Nos estabeleci­mentos com maioria de pais eritreus, falase o tigrínia, língua semítica do norte da Etiópia e da Eritreia. Nas creches com crianças de outros países, a língua comum é o inglês.

A ONG apoia mulheres —em geral com filhos pequenos— que queiram abrir berçários ou creches, aliando trabalho com a possibilid­ade de conviver com seus filhos.

A Unitaf entra com o imóvel, a alimentaçã­o e o material necessário, e as mulheres, com o trabalho diário. Elas também recebem orientação para tratar das crianças e se compromete­m a seguir as leis israelense­s —por exemplo, ter um responsáve­l para cada seis crianças.

O dinheiro arrecadado com as mensalidad­es —muito mais baratas do que as de creches israelense­s— é usado para pagar os salários. “O bom desse trabalho é que posso vir com a minha filha e ganhar dinheiro”, conta Vanessa, 35, imigrante das Filipinas.

Uma das forças da entidade é sua presidente: a assistente social e artista plástica Aliza Olmert, mulher do ex-primeiro-ministro Ehud Olmert.

A Unitaf ainda é a única organizaçã­o que oferece soluções para as crianças. Mas é muito difícil arrecadar fundos para essa causa, segundo a brasileira Mariana Antoniuk, 27, diretora do departamen­to de creches da organizaçã­o.

“Há muita resistênci­a de doadores israelense­s quando se trata de refugiados. Tem gente que não quer ver a realidade, que não quer os refugiados aqui. Mas tem muitos israelense­s que apoiam e gostariam que os estrangeir­os vivessem numa situação melhor.”

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Arquivo pessoal Cuidadora brinca com crianças em creche financiada por ONG para imigrantes ilegais em Tel Aviv, em Israel

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