Folha de S.Paulo

Livro de ficção de Clinton é tão absurdo que fica divertido

Lógica e emoção são deixadas de lado em parceria com autor best-seller

- -André Barcinski

Bill Clinton, o 42º presidente dos EUA, estreia na ficção com “O Dia em que o Presidente Desaparece­u”, romance escrito em colaboraçã­o com um dos autores mais populares do mundo, James Patterson.

Patterson é uma verdadeira fábrica de best-sellers: vendeu cerca de 375 milhões de cópias em todo o mundo, incluindo séries famosas com personagen­s como os detetives Alex Cross (vivido no cinema por Morgan Freeman) e Michael Bennett. Em 2017, detinha o impression­ante recorde de 114 livros na lista de mais vendidos do New York Times.

Patterson tem cerca de 150 livros publicados em uma carreira de 42 anos, o que dá quase 3,6 livros por ano. Esse impression­ante ritmo de trabalho depende de uma estratégia engenhosa: o escritor conta com um time de cerca de uma dezena de coautores, que pegam suas ideias e as transforma­m em romances.

No caso da colaboraçã­o com Clinton, não está claro quem fez o quê. Em entrevista­s, Patterson disse que a participaç­ão do ex-presidente garantiu ao livro informaçõe­s de bastidores que só um homem na posição de Clinton poderia fornecer. Mas, lendo o romance, é difícil achar algo novo ou surpreende­nte, com exceção de algumas descrições de cômodos na Casa Branca.

“O Dia em que o Presidente Desaparece­u” é um “thriller” político narrado por Jonathan Duncan, presidente dos EUA.

Quando a história começa, ele está na pior, sendo pressionad­o pela oposição por causa de uma embaraçosa ligação com um conhecido terrorista. Mas o presidente tem uma coisa mais urgente —e secreta— com o que se preocupar: a ameaça de um ataque cibernétic­o sem precedente­s aos EUA, um vírus que poderia destruir o sistema financeiro e deixar o país em guerra civil, com escassez de alimentos e falta d’água.

Ou, como diz um terrorista: “Os Estados Unidos da América vão se transforma­r no maior país de terceiro mundo do planeta!”.

Não é só o presidente que desaparece na história: somem também lógica, credibilid­ade, tensão, suspense e emoção. A trama é tão absurda e cheia de passagens inverossím­eis que o livro se torna divertido. Ou alguém acredita que o presidente americano fugiria da Casa Branca e se disfarçari­a para encontrar “secretamen­te” com um terrorista num estádio de beisebol com 30 mil espectador­es?

Quem já leu um livro de Patterson sabe o que esperar: diversão escapista para matar tempo num voo internacio­nal.

Mesmo assim, a trama surpreende pelo insólito: Duncan é perseguido por uma assassina de aluguel que adora ouvir Bach enquanto acerta tiros de rifle a dois quilômetro­s do alvo. Em outra passagem, arma um encontro secreto e de “urgência” com os líderes políticos de Israel, Alemanha e Rússia para falar sobre a ameaça do vírus cibernétic­o.

A má qualidade da obra não impediu —aliás, deve ter ajudado— o livro de se tornar o mais vendido nos Estados Unidos nos últimos tempos. Na semana de 4 a 10 de junho, foram vendidas cerca de 260 mil cópias da obra em todos os formatos, incluindo e-books. Mais um número um para James Patterson na lista do New York Times.

Lendo o romance [de Bill Clinton], é difícil achar algo novo ou surpreende­nte, com exceção de algumas descrições de cômodos na Casa Branca

 ?? Mary Altaffer/Associated Press ?? Os coautores James Patterson e Bill Clinton em evento de promoção do romance, em Nova York
Mary Altaffer/Associated Press Os coautores James Patterson e Bill Clinton em evento de promoção do romance, em Nova York

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil