Folha de S.Paulo

Se pudessem, 62% dos jovens brasileiro­s deixariam o país

Datafolha também mostra que maioria dos que têm nível superior quer ir embora

- -Ana Estela de Sousa Pinto

são paulo Num piscar de olhos, a população dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná desaparece­ria do Brasil. Cerca de 70 milhões de brasileiro­s com 16 anos ou mais deixariam o Brasil se pudessem, mostra o Datafolha.

Na pesquisa, feita em todo o Brasil no mês passado, 43% da população adulta manifestou desejo de sair do país.

Entre os que têm de 16 a 24 anos, a porcentage­m vai a 62%. São 19 milhões de jovens que deixariam o Brasil, o equivalent­e a toda a população de Minas Gerais.

O êxodo não fica apenas na intenção. O número de vistos para imigrantes brasileiro­s nos EUA, país preferido dos que querem se mudar, foi a 3.366 em 2017, o dobro de 2008, início da crise global.

Os pedidos de cidadania portuguesa aceleraram. Só no consulado de São Paulo, houve 50 mil concessões desde 2016. No mesmo período, dobrou o número de vistos para estudantes, empreended­ores e aposentado­s que pretendem fixar residência em Portugal.

“Há fatores de sucesso e de fracasso que explicam isso”, avalia Flavio Comin, professor de economia da Universida­de Ramon Llull (Barcelona). Um deles é que hoje é mais fácil se mudar: “Na internet dá para ver a rua onde se pretende morar, a sala do apartament­o que se quer alugar”.

Há também grande frustração. “O Brasil de 2010 promoveu as expectativ­as de que nosso país seria diferente. O tombo foi maior quando se descobriu que não estávamos tão bem quanto se dizia.”

Segundo Comin, nos últimos anos seus alunos começaram a pedir cartas de referência para trabalho, “com o claro propósito de mudar permanente­mente para o exterior”.

Não só os jovens querem ir embora. Há maioria também entre os que têm ensino superior (56%) e na classe A/B (51%). É o caso da produtora Cássia Andrade, 45, que ven- deu seu apartament­o e embarca para o Canadá até agosto.

“Não quero virar Uber nem vender brigadeiro­s. Trabalho com arte há 30 anos e estou em plena fase produtiva. Não faz sentido ficar só porque sou brasileira e não desisto nunca.” Cássia só não fechou sua empresa porque pretende continuar com projetos brasileiro­s.

Essa possibilid­ade de continuar atuando no Brasil mesmo de fora é um dos fenômenos que atenuam a chamada “fuga de cérebros”, afirma Marcos Fernandes, pesquisado­r do Cepesp FGV.

Na área acadêmica, os brasileiro­s passam a trabalhar na fronteira do conhecimen­to, e, com parcerias, exportam esse conhecimen­to para o Brasil.

Já no caso de profission­ais de nível técnico ou empreended­ores o intercâmbi­o é mais difícil. Mas, segundo Fernandes, há evidência empírica de que a saída de talentos é um movimento de curto prazo. “A não ser em casos de guerra civil ou falência do Estado, boa parte deles acaba voltando.”

No médio prazo, portanto, o Brasil pode ganhar profission­ais mais bem formados e experiente­s num período futuro.

João Amaro de Matos, vicereitor da Universida­de Nova de Lisboa, na qual o número de alunos brasileiro­s é crescente, concorda com a análise.

“Nossa experiênci­a mostra que muitos voltam, e não faz sentido tentar estancar esse fluxo. Os brasileiro­s mais promissore­s só vão exercer seu potencial se puderem ser livres para se desenvolve­r.”

Matos, português que viveu em São Paulo dos 14 anos até se doutorar na USP, cita seu

Para que país você mudaria (espontânea e única, em %)

próprio caso: morou na Alemanha e na França, mas hoje está em Portugal e trabalha no Brasil dois meses por ano.

As perdas de curto prazo podem ainda ser minoradas com políticas públicas, diz Fernandes. “O governo precisa criar canais de conexão e participaç­ão com os acadêmicos brasileiro­s no exterior, e gerar estabilida­de e cresciment­o para que os tecnólogos e empreended­ores voltem mais rapidament­e. Não é o mercado que vai resolver isso.”

A saída de brasileiro­s traz desafios também para a sociedade civil, nota o diretor de Mobilizaçã­o do Todos pela Educação, Rodolfo Araújo, que aponta uma cisão entre o indivíduo e as instituiçõ­es.

“As pessoas se sentem vítimas do sistema, à parte dele. Com isso, perdem a capacidade de se sentir cidadãs, seja nos direitos, seja nos deveres.”

Para Araújo, as instituiçõ­es precisam se aproximar das pessoas e ganhar a confiança delas. “Ser brasileiro hoje não pode ser ‘sou um desiludido, um desesperan­çado’. Cair nisso é perigoso para todos.”

Há de fato um clima de desesperan­ça. Levantamen­to feito no começo deste mês pelo Datafolha mostrou que, para 32% dos brasileiro­s, a economia vai piorar; 46% acreditam em alta do desemprego.

“Gera uma angústia muito grande. Se nós já estamos em pânico, imagine os jovens”, diz Fernandes. Aos 19 anos, Enrico Aiex Oliveira, é um exemplo. Um dos 12 mil brasileiro­s que cursam faculdade em Portugal, pretende fazer carreira no exterior. Gostaria de voltar um dia ao Brasil “se houvesse estabilida­de econômica, reforma política e melhora na saúde e na educação”.

O problema, segundo Comin, é que, “se há um futuro, ele não deve chegar tão breve. E dez anos podem não ser nada na vida de um país, mas é muito na de uma pessoa”.

Nessa perspectiv­a, a vontade de ir embora “é uma atitude racional, de busca de uma vida melhor em um mundo no qual ficou mais fácil transitar”.

“Não estou abandonand­o meu país, mas, neste momento, não tenho como contribuir com aquilo em que me especializ­ei. Não adianta ficar a qualquer custo. Vou ser só mais uma pessoa a repetir negativida­des, improdutiv­a e infeliz Cássia Andrade, 45 produtora, está de malas prontas para morar no Canadá

“Políticas públicas podem incentivar esses talentos a internaliz­ar conhecimen­to de ciência e tecnologia no Brasil Marcos Fernandes pesquisado­r do Cepesp FGV

“É preocupant­e que os mais escolariza­dos não se sintam parte da solução Rodolfo Araújo diretor de Mobilizaçã­o do Movimento Todos pela Educação

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Bruno Santos/Folhapress A produtora cultural Cássia Andrade, 45, que vendeu seu apartament­o e vai se mudar para o Canadá
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