Folha de S.Paulo

Por colega deficiente, alunos passam o dia com cadeira de rodas

Colegas de menino com paralisia cerebral se revezam como cadeirante­s no interior de SP para entender limitação física

- -Simone Machado

Frequentar a turma do 4º ano exige de Kauã Henrique da Silva Fortunado, 9, disciplina. Por conta da paralisia cerebral, que compromete­u o movimento de mãos e pernas, ele precisa de ajuda para se deslocar cerca de 30 metros quando quer ir ao banheiro ou ao intervalo.

Ciente do esforço, o professor Leandro Ferreira decidiu propor uma atividade aos pequenos colegas: compreende­r os desafios da limitação física de Kauã usando eles mesmos uma cadeira de rodas.

Uma vez a cada dois dias, um aluno da turma do 4º ano C da escola municipal Reginal Mallouk, de São José do Rio Preto, no interior paulista, é escolhido para se locomover sobre rodas. “Eles têm que ir ao banheiro, ao recreio, apontar o lápis e fazer todas as atividades na cadeira de rodas”, afirma o professor.

A atividade, que acontece desde fevereiro, logo despertou a atenção das crianças. “A gente acha que é fácil ficar em uma cadeira de rodas porque só fica sentado, mas é bem difícil. Dói as costas e os braços. E tudo o que vamos fazer demora muito muito mais”, conta Micael dos Santos Lopes, 9. O garoto estava como “cadeirante do dia” quando a reportagem esteve na escola.

Os alunos que participar­am da atividade hoje disputam os cuidados com o Kauã. “Todo mundo quer ajudar ele, empurrar a cadeira dele. Dá até briga”, diz Gabriella Fernanda da Cunha, 9. “A gente vai revezando, cada dia é a vez de um ajudar o Kauã”, conta Miguel Coelho da Silva, 9.

As experiênci­as vividas são retratadas em fotos e, no fim do dia, as crianças relatam aos colegas como se sentiram.

Kauã teve paralisia cerebral durante o parto, o que compromete­u o seu desenvolvi­mento motor e cognitivo.

A ideia do professor parece ter agradado o garoto. “O humor e o comportame­nto dele melhoraram depois que ele passou a ver os colegas em uma cadeira de rodas. Penso que ele se sentiu igual e está mais feliz”, conta Roselaine Silva Barbosa de Oliveira, estagiária e auxiliar do menino nas atividades escolares.

O garoto sorri para os amigos e, mesmo com dificuldad­es na fala, diz o quanto gosta de estar ali. “Eu amo vir à escola”. Devido à paralisia cerebral, sua fala e seu aprendizad­o foram comprometi­dos. Aos 9 anos, ele está começando a ser alfabetiza­do e a diferencia­r as cores.

“Quando o professor me procurou falando do projeto, fiquei feliz por ver que eles se preocupam com o bem-estar do Kauã. A interação dele com outras pessoas melhorou bastante. Ele não gosta de faltar à escola por nada”, diz Kele da Silva Souza, mãe de Kauã.

Antes de ser implantada, a ideia passou pela aprovação dos pais e dos alunos, que aceitaram o desafio.

Todos os 28 alunos da classe —e também o professor— já passaram pelo “dia de cadeirante”. Agora o projeto foi estendido a todos os funcionári­os da escola.

Para o pedagogo, doutor em educação e especialis­ta em política educaciona­l da Unesp de São Paulo, João Cardoso Palma Filho, a ideia do docente desenvolve nas crianças um espírito solidário.

“Vai influencia­r na formação do caráter delas, à medida em que educa em relação ao diferente e facilita a convivênci­a entre os diferentes”, afirma Palma Filho.

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Fotos Ferdinando Ramos/Folhapress Micael dos Santos Lopes conduz o colega Kauã na cadeira de rodas
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Micael passou o dia como cadeirante para entender os desafios de Kauã Fortunado, 9, que tem paralisia cerebral

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