Folha de S.Paulo

Newton Ishii “O Lula foi preso por uma besteira”

O Japonês da Federal vê sua vida virar um livro e conta que a convivênci­a criou afeto entre ele e os presos da Lava Jato: “Se eu pudesse, visitaria o Marcelo Odebrecht em sua casa”

- -Bruna Narcizo

Newton Ishii, o Japonês da Federal, estava na UTI do Hospital Santa Cruz de Curitiba no dia 25 de outubro de 2014 quando viu, na TV, a notícia de que o doleiro Alberto Youssef tinha morrido vítima de envenename­nto. Era a véspera da eleição presidenci­al.

Ele se virou para o doente de quem cuidava naquele momento: “Youssef, quando vai ser o seu velório?”. O doleiro, preso, sob a vigilância de Ishii e mais vivo do que nunca, detestou a brincadeir­a. “Pô, cara, isso não é legal”, reagiu.

“Depois, o chefe [o delegado Rosalvo Franco, que comandava na época a Superinten­dência da Polícia Federal (PF) em Curitiba] me ligou: ‘Brasília tá me ligando. Tão dizendo que ele morreu’. Eu expliquei que estava tudo bem. Até o advogado dele [Youssef ] foi até o hospital” lembra Ishii.

Youssef havia sido internado devido a uma queda de pressão arterial causada pelo uso da medicação que tomava após um infarto que sofreu antes de ser preso.

“Eram muitas as mentiras como essa”, diz o japonês, que ficou famoso ao ser fotografad­o inúmeras vezes conduzindo presos célebres da Operação Lava Jato. Por causa das fake news, não gostava de ler nem ver notícias. “Demorei um ano para entender que tinha ficado famoso”, explica.

Tão famoso que sua vida virou livro: “O Carcereiro — o Japonês da Federal e os Presos da Lava Jato”, biografia escrita pelo jornalista Luís Humberto Carrijo, estará disponível nas livrarias a partir do dia 7 de julho. Ishii fará sessões de autógrafos em cinco capitais: SP, RJ, Brasília, Belo Horizonte e Curitiba.

Boa parte da obra está dedicada à convivênci­a dele com réus ilustres como Marcelo Odebrecht e Antonio Palocci.

Responsáve­l pela custódia da PF, onde ficam as celas de réus da Lava Jato, Ishii implantou o que gosta de chamar de “tratamento humanitári­o”.

Na sua gestão, as salas ficavam destrancad­as e ele conversava com os outros agentes para que evitassem tratar os presos famosos de forma que revelassem algum “recalque”. “Pedia pro meu pessoal não dizer: ‘Aí, ó, era cheio da grana e agora tá ferrado’. Muitos teriam feito”, admite.

“Se algum dos presos tivesse um problema de saúde ou psicológic­o, seria preciso interná-lo. Eu precisaria de oito homens só para fazer escala no hospital”, afirma.

Esposas, pais e filhos dos presos também recebiam um tratamento especial do japonês. “Queria que a família chegasse lá sorrindo e não chorando, desesperad­a. Porque isso também atrapalhar­ia lá dentro. Cometeram crime? Cometeram. Mas são pessoas cultas, inteligent­es, que sempre me trataram com respeito.”

“Um dia o [lobista Fernando] Baiano começou a chorar comigo porque o filho caçula tinha completado um ano e tinha dito ‘papai’. Ele não queria receber visita dos meninos. Um dia eu disse: ‘Bota lá na minha sala e fala pros seus filhos que você trabalha aqui na Polícia Federal’. Mas ele não quis.”

Ele afirma que tratava os presos comuns da mesma forma. “A diferença entre eles é a falta de educação. Só que o homem é como qualquer animal. Se você tratar bem, ele vai te tratar bem. Pode ser traficante, contraband­ista, falsificad­or ou pedófilo: eu sempre tratei com o maior respeito. E esse respeito voltava.”

“Um dia o pessoal [réus da Lava Jato] começou a me perguntar se eu não me lançaria candidato. Eles falaram: ‘O Pedro Corrêa [ex-deputado federal] tá aqui, ele te ensina’. [Corrêa] se vira para mim e diz: ‘Se eu ensinar, daqui a um tempo o senhor está aqui com a gente, viu?”, conta o ex-agente, rindo.

“Também fiz uma brincadeir­a com a mulher do Palocci, que ele me apresentou no dia de visitas. Eu falei: ‘Não era essa que tava ontem na visita íntima’. O Palocci arregalou o olho. E ela olhou sério para ele. Eu falei: ‘Desculpa, Palocci, acho que dei uma bola fora’. Ele me disse que demorou um mês para convencer ela de que era uma brincadeir­a.”

Os presos não têm direito a visita íntima. “O pessoal também brinca com esse negócio de derrubar sabonete. O [doleiro] Adir Assad, que é muito divertido, dizia:‘A gente não derruba sabonete em barra, derruba logo do líquido. Porque demora mais para pegar’.”

“Fiquei quatro anos lá e nunca deu uma discussão”, diz. “Foi eu sair e deu problema com o [ex-governador do Rio Sérgio] Cabral. No episódio das algemas [em janeiro, o ex-governador do Rio foi levado com algezes mas nas mãos e nos pés para exames de corpo de delito].”

“Na minha época ninguém andava algemado. A mão para trás é segurança. A pessoa pode bater na arma do policial, que pode achar que ela está tentando pegar. Nós caminhamos devagar não para a imprensa fotografar —mas para evitar cair ou tropeçar”.

Ishii lembra que um dia o exdiretor da Petrobras Nestor Cerveró tropeçou e caiu no prédio Justiça Federal. “Outra vez, ele caiu da escada na cela. O agente penitenciá­rio foi perguntar se ele tinha se machucado. Cerveró respondeu: ‘Porra, caralho, claro que eu me machuquei!’.” Ishii diz que o agente o chamou pra contar o que aconteceu. “Determinei que aquela ala ficasse três dias na tranca direto e sem banho de sol. Todos os outros presos xingaram o Cerveró depois”.

“Para mim não tinha Zé Dirceu, Zé Antônio ou Zé do Caixão. Era todo mundo igual. Brincava com eles [da Lava Ja- to], mas brincava com os outros também. Tirei várias fotos com família de preso, mandei vídeo para mãe de preso, inclusive os da Lava Jato”, diz.

A convivênci­a acabou criando afeto entre carcereiro­s e presos. “Se eu pudesse, visitaria o Marcelo [Odebrecht]. Mas, se eu chego lá [na casa do empreiteir­o, que cumpre prisão domiciliar], a imprensa me fotografa. Vão dizer que fui cobrar a propina.”

“O Marcelo, no início, era uma pessoa muito difícil de lidar”, relembra. “Mas, quando caiu a ficha, ele começou a ser a pessoa que já era [fora da prisão]. Quando vinha preso, sem condições, ele dava até a roupa dele. Quando um trabalhado­r do Nordeste que tinha quebrado o guichê de uma companhia aérea foi solto, os advogados do Marcelo compraram a passagem e ainda deram R$ 500 para ele voltar para casa.”

“Nunca, jamais, me ofereceram dinheiro. Usar o telefone só era permitido duas ve- por semana. Não tinha celular lá dentro. Eles liberaram a panela elétrica [para os presos cozinharem] porque alguns seguiam dieta especial. Como você vai negar? Havia geladeira também porque três diabéticos precisavam deixar as insulinas refrigerad­as.”

“Eles não tinham intenção de fugir. Uma vez fiz um teste: saí e deixei o portão aberto. Foi virar as costas que começaram a gritar: ‘Seu Newton, seu Newton! O senhor esqueceu aberto. Podemos fechar?”.

“Aprendi com eles que você, com dinheiro ou sem dinheiro, é uma pessoa só. Tem que aproveitar o máximo dos momentos que tem de liberdade, sua família. A privação de liberdade é pesadíssim­a.”

Ele não nega, no entanto, que a custódia mudou depois da Lava Jato. “Antes, tinha cheiro de cadeia. Hoje não tem mais. São eles mesmos que limpam.”

Ishii rechaça a ideia de que a Lava Jato seria partidária. “[Os tucanos] não foram presos porque ainda não foram julgados. Quanto tempo o Lula demorou para ser preso? Quatro anos. E foi por uma besteira.”

“Fui contra ele ter vindo pra cá [Curitiba]. Pra que gastar tanta grana pra fazer o deslocamen­to e trazer colegas de fora para nos ajudar? Ele podia ter ficado em SP, num quartel ou na PF. Até falei isso pro superinten­dente da PF, que não gosta muito de mim, não sei por quê. Mas ele disse que o [juiz Sergio] Moro não entende.”

Ishii se aposentou em fevereiro deste ano e atualmente é o presidente do partido Patriota no Paraná. “Não vou ser candidato. Mas tenho dado palestras para pré-candidatos. Falo sobre a importânci­a do voto. Vamos analisar: Newton, famoso, Japonês da Federal. E o meu voto vale tanto quanto o do pedinte.”

A obra sobre a vida dele mostra, entre outras aventuras, como em determinad­o momento ele passou da condição de carcereiro para a de encarcerad­o: em junho de 2016, Ishii foi preso por quatro dias após ser condenado por facilitaçã­o de contraband­o, crime que teria cometido há 13 anos. Por quatro meses, usou tornozelei­ra eletrônica.

Ele acredita que sua condenação só aconteceu devido à fama. E que sua punição tenha sido uma tentativa de “manchar a Lava Jato”.

Ficou triste. Mas diz que já havia passado por coisa muito pior. “Perdi meu filho [em 2005] e, quatro anos depois, a minha mulher [que sofreu um infarto]. Namorei com ela dos 15 aos 53 anos. Era minha companheir­a, meu tudo. Nada mais pode me atingir”.

O filho mais velho do agente cometeu suicídio aos 27 anos. “Ele perdeu todo o dinheiro que tinha investido num negócio que não deu certo. Teria que voltar para o Japão [onde já tinha morado]”.

“Nunca questionei o que o meu filho fez. Nem Deus por ter perdido eles. Como a morte ocorreu daquela maneira, acho que ele estava precisando muito da ajuda da mãe, sabe? Eu fiquei aqui para ajudar a minha filha. E ela se foi para ajudar o nosso filho.”

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Fotos Marlene Bergamo/Folhapress O Japonês da Federal na garagem do prédio onde mora
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Ishii com o cachorro Zeca no sofá do apartament­o de 70 m² onde mora com a filha, em Curitiba

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