Série documental injeta vida a narrativa de atentados em Paris
Em três episódios, ‘13 de Novembro’ retraça noite funesta com humanidade
Há um belo achado na construção sóbria de “13 de Novembro – Terror em Paris”, documentário em três partes da Netflix sobre a noite funesta de 2015 em que uma sequência de atentados terroristas deixou um saldo de 130 mortos e mais de 400 feridos.
Pois o fato é que, gostandose ou não da alcunha, tudo ali tem os contornos de um “filme-catástrofe”, como os protagonizados por furacões, terremotos ou, quando o orçamento permite, asteroides em rota de colisão com a Terra: a chegada muitas vezes insuspeitada do horror, a arbitrariedade da morte, a busca por abrigo/esconderijo de quem escapou da primeira razia, o resgate e o fim do pesadelo.
Ocorre que, aqui, os diretores franco-americanos Jules e Gédéon Naudet mandam às favas a principal diretriz da cartilha do gênero (ou, vá lá, de sua encarnação hollywoodiana recente): a primazia da imagem sobre a palavra.
“Terror em Paris” é palavra que só; aos arabescos de computação gráfica e música orquestrada de seus companheiros de categoria, responde com volteios da língua, com a arte da oratória cujos sortilégios os franceses conhecem (e cultuam) como poucos.
Sem pirotecnias formais, o documentário se atém quase que exclusivamente a depoi- mentos, em geral sobre fundo neutro, de sobreviventes dos ataques na capital francesa e no subúrbio de Saint-Denis, de autoridades instadas a acionar protocolos de emergência no ato (como François Hollande, presidente à época, e Anne Hidalgo, ainda prefeita de Paris) e das equipes de policiais, bombeiros e paramédicos que foram a campo tentar remediar danos.
Seus testemunhos, muitas vezes repletos de detalhes, mas nunca voyeurísticos, costuram uma grande narrativa mais digna do que o espetáculo de morte reproduzido à exaustão pelos canais de notícias 24 horas franceses nas horas e dias que sucederam ao fatídico 13 de novembro — este repórter vivia na cidade naquele momento.
Ao desfile funesto na televisão de “fichas S” (que indicam monitoramento por serviços de inteligência) dos autores dos ataques e de seus possíveis comparsas, à caçada dos algozes pelo território francês e até na Bélgica, o tríptico dos irmãos Naudet responde com um renitente sopro de vida.
O primeiro (e mais curto episódio) debruça-se sobre os lances que inauguraram aquela sexta-feira macabra.
Para começar, a (relativamente) malsucedida investida de três homens-bomba contra o estádio da periferia em que se realizava um amistoso entre as seleções de futebol de França e Alemanha. Eles acabaram por acionar seus explosivos no entorno da arena, matando uma pessoa.
Logo se adentra a Paris “intramuros” para lembrar o massacre nos bares e restaurantes dos boêmios 10º e 11º distritos, que deixaria um rastro de 39 mortos.
A partir desse ponto, os cineastas operam uma proeza: quanto mais gira o contador de vítimas, mais pulsão vital emana do filme —porque mais humanidade ele dá a ver.
Como quando alguém diz não esquecer a imagem, testemunhada em um bar então já revolvido em cenário de guerra, de um sobrevivente que dá a mão a um completo desconhecido que agoniza, só para que ele não morra sozinho.
Ou quando um jovem narra o pensamento que lhe ocorreu ao deparar com rajadas de fuzis e pilhas de corpos: “Espero que o meu apartamento não esteja bagunçado, porque meus pais vão ter que se ocupar disso e não queria dar a eles muito trabalho”.
Os outros episódios tratam da chacina na casa de shows Bataclan (90 mortos), que levou ao paroxismo a empreitada dos terroristas.
A coleção de relatos inclui o de um casal que celebrava naquele show da banda americana Eagles of Death Metal a primeira noitada sem filhos em anos e, talvez de maneira complementar, a de um homem que afirma ser inadmissível deixar órfão o garoto de sete meses que a mulher e ele levaram quatro anos para conseguir gerar.
Quando a cronologia dos depoimentos atinge o ponto em que a polícia tenta negociar com os terroristas que agora mantêm refém um pequeno grupo que não conseguiu fugir por janelas ou portas de incêndio (estima-se que havia 1.500 pessoas na casa naquele dia) e decide invadir o local, a humanidade se adensa mais.
Há espaço até para o patético de uma comunicação entre agressores e forças de segurança via walkie-talkie (quando avulta, na porta do cativeiro, uma pilha de smartphones —um deles com uma baleinha sorridente na capa— que os reféns foram obrigados a largar) ou para uma alfinetada tipicamente parisiense no sotaque sulista quase intransponível de um dos negociadores.
Nem a aproximação galopante da morte arranca aquilo que nos define.