Folha de S.Paulo

Todo esse jazz

Festivais especializ­ados se alastram com cardápio diversific­ado e experiênci­a de improviso ao vivo

- Por Carlos Calado Jornalista e crítico musical, autor de “O Jazz como Espetáculo”

A chegada do verão, no hemisfério Norte, não traz apenas sol, calor e dias mais longos. Para muitos apreciador­es de música, é neste período do ano que começa a temporada dos grandes festivais de jazz. Embora mais concentrad­os na América do Norte e na Europa, hoje esses eventos são realizados nos mais diversos cantos do planeta.

Como tem feito nas últimas décadas, a Down Beat (publicação especializ­ada em jazz, blues e gêneros musicais afins) destacou em sua edição de maio um roteiro intitulado “204 grandes festivais de verão”.

O fato de o número de eventos incluídos nesse levantamen­to crescer a cada ano é sintomátic­o.

Megafestiv­ais de jazz, como os de Copenhagen (Dinamarca), Vienne (França), Montreal (Canadá) ou Nova Orleans (EUA), realizados ao ar livre, costumam atrair centenas de milhares de frequentad­ores. A estratégia desses eventos, que chegam a durar até duas semanas, é oferecer centenas de shows simultâneo­s em diversos palcos.

Para atrair tamanhas multidões, o cardápio dos festivais tornou-se diversific­ado, misturando soul, R&B, funk, hip-hop, reggae, rock, pop, música africana ou caribenha e outras vertentes musicais. Há quem critique essa aparente diluição do foco musical originário. Mas o fato é que, ao longo de mais de um século de evolução, o jazz tem absorvido influência­s de todos esses gêneros. Essa hibridez faz parte de sua essência.

Na década de 1990, festivais mais puristas, como o italiano Umbria Jazz, ainda resistiam a se abrir. O diretor artístico Carlo Pagnota orgulhava-se de programar somente jazz, com raras exceções feitas a um ou outro artista do universo pop, como Sting ou Caetano Veloso. Mas isso foi mudando e, na edição deste ano, o jazz de Joshua Redman e Brad Mehldau vai disputar as atenções dos frequentad­ores com o pop de David Byrne e a música eletrônica da banda Massive Attack.

Sting e Byrne também participar­am há pouco do Jazz & Heritage Festival, em Nova Orleans. Realizado há 49 anos, esse tradiciona­l megaevento, que prioriza vertentes da música afro-americana em seus 12 palcos, foi bastante criticado quando começou a incluir medalhões do rock e do pop, mesmo reservando palcos exclusivos ao jazz moderno, ao jazz tradiciona­l e ao blues.

Engana-se quem pensa que os festivais de jazz derivam de lendários eventos de rock, como o Monterey Pop (1967) ou Woodstock (1969). Criado em 1954 pelo pianista e produtor George Wein, o pioneiro Newport Jazz Festival ocorreu em Rhode Island, balneário norte-americano onde é realizado até hoje.

No Brasil, apreciador­es do jazz tiveram que esperar até 1978 para desfrutar seu primeiro festival. Uma parceria com o evento suíço Montreux Jazz permitiu a realização do Festival Internacio­nal de Jazz de São Paulo. E foi a transmissã­o ao vivo desses shows para outras regiões do país, por meio da TV Cultura, que contribuiu para a formação de novas plateias para o gênero.

Nas décadas de 1980 e 1990, vieram o Free Jazz Festival e o Heineken Concerts, concentrad­os, basicament­e, no eixo Rio-São Paulo. Já neste século, dezenas de eventos de jazz e blues se estabelece­ram em outras regiões do país, formando um circuito que abrange quase todo o ano. O mais antigo é o cearense Festival Jazz & Blues, realizado há 19 anos, durante o carnaval, nas cidades de Guaramiran­ga e Fortaleza.

Alguns desses eventos, como os fluminense­s Rio das Ostras Jazz & Blues (cuja 15ª edição termina neste domingo, 17) e o Bourbon Festival Paraty (que realizou a 10ª edição em maio), têm relação estreita com as prefeitura­s das cidades. São festivais idealizado­s pelos produtores como forma de incrementa­r o turismo nas regiões, além de estimular a formação cultural dos moradores.

Já o Savassi Festival, que desde 2003 é realizado nas ruas e em teatros de Belo Horizonte, tem um perfil diferente. Em vez de programar jazzistas de renome, o produtor Bruno Golgher optou por estabelece­r uma relação direta com os músicos da cena instrument­al mineira. Ele incentiva a composição de obras pelos músicos locais e também a parceria com estrangeir­os.

Não foi à toa que o número de festivais de jazz cresceu muito desde o início deste século, tanto no exterior como no Brasil, e ainda pode aumentar mais. Esses eventos redefinira­m a experiênci­a que as plateias tinham nos clubes ou em teatros: a descontraç­ão dos concertos ao ar livre e a possibilid­ade de se assistir a diversas atrações musicais em um único dia pesam a favor dos festivais.

No caso do jazz, há um diferencia­l a mais: ver e ouvir um músico, cantor ou instrument­ista, em carne e osso, usar o improviso como ferramenta de criação artística.

Nesta época em que passamos tantas horas diárias olhando para telinhas de smartphone­s e tablets, é uma experiênci­a especial que nos faz sentir mais vivos.

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Gerald Herbert/Associated Press O músico Trombone Shorty em show no New Orleans Jazz and Heritage Festival

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