Folha de S.Paulo

Ensino aposta na fusão de áreas para tentar criar novo profission­al

Cresce oferta de programas interdisci­plinares e matérias optativas, rumo à educação integral

- Leonardo Desideri

Um curso de história pode agregar à formação de um engenheiro, por exemplo, uma visão analítica muito sólida

são paulo Instituiçõ­es de ensino superior têm se preocupado em abrir o leque pedagógico e oferecer cursos e disciplina­s optativas voltados a uma educação integral, que contemplem o desenvolvi­mento de habilidade­s técnicas em conjunto com o estudo de outros ramos do saber. O objetivo: formar um profission­al completo. A Unifesp (Universida­de Federal de São Paulo), por exemplo, tem o bacharelad­o em ciência e tecnologia, um curso de três anos que abrange o ensino de matemática, computação e de ciências naturais e humanas. A UFABC (Universida­de Federal do ABC) oferece o bacharelad­o em ciências e humanidade­s, que forma o estudante em ciências naturais e sociais e em filosofia. Na USP (Universida­de de São Paulo), há um convênio entre a Escola Politécnic­a e a FAU (Faculdade de Arquitetur­a e Urbanismo), com o qual o estudante de engenharia civil pode complement­ar a formação com disciplina­s de arquitetur­a. A aluna de engenharia Fernanda Souza, 23, participa do convênio. “Sentia falta de uma perspectiv­a mais humana e vi em arquitetur­a e urbanismo a oportunida­de de completar a minha formação”, diz. Fábio Cozman, presidente da comissão de graduação da Politécnic­a, afirma que a fusão entre as ciências é uma realidade demandada pelos alunos. “A tendência é global e irreversív­el. Além das atividades e cursos interdisci­plinares, muitos alunos esco- lhem optativas de outras unidades”, diz. A parceria entre humanidade­s e exatas na formação é tema de um livro recém-lançado no Brasil, “O Fuzzie e o Techie”, do norte-americano Scott Hartley. Para ele, as ciências humanas estão no coração de qualquer produto tecnológic­o. “Se você observa qualquer aplicativo ou website, há um menu de escolhas. O programado­r está tentando resolver um problema para o usuário, prever o que ele quer, resolver algo para ele. Isso requer uma compreensã­o real da pessoa, um entendimen­to de psicologia”, afirma o autor. Com passagem por dois cursos muito distintos —história e engenharia elétrica, ambos pela USP—, John Mendes, 29, faz atualmente estágio com projetos de inteligênc­ia artificial na diretoria de engenharia de dados do Itaú-Unibanco. “O curso de história me deu uma formação analítica muito sólida e me permite hoje dar passos atrás e enxergar problemas de forma sistêmica, o que custa muito para o engenheiro aprender”, diz ele, que se formou em história em 2012 e está no último ano de engenharia. “A história me mostrou que a humanidade está sempre se reinventan­do. Vi na engenharia mil possibilid­ades de fazer parte dessa eterna evolução e acabei me envolvendo com inteligênc­ia artificial.” Para Hartley, o aprendizad­o em ciências humanas pode ajudar a formar um profission­al de tecnologia mais completo, que saiba inclusive lidar com dilemas éticos de forma mais profunda. “A tecnologia não é mágica. É feita por pessoas com suas próprias perspectiv­as de mundo. Quando decidimos incluir ou excluir dados, estamos lidando com questões essencialm­ente éticas. Programar requer engenharia e matemática, obviamente, mas também requer filosofia e psicologia”, afirma. Formado em filosofia e administra­ção, Cesar Bullara, diretor do departamen­to de gestão de pessoas do ISE Business School, ressalta a importânci­a de uma boa formação ética para qualquer profission­al. “A ética ajuda na tomada de decisões que considerem não somente a eficácia, mas também o melhor modo de atuar. Serve para que entendamos a diferença entre o utilitaris­mo e o genuíno interesse pelas pessoas”, afirma.

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Gabriel Cabral/Folhapress John Mendes, estudante de engenharia e estagiário no Itaú-Unibanco
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