Folha de S.Paulo

Kroton busca crescer e atrair investidor após cortes no Fies

Com financiame­nto estudantil mais ralo, mercado ficou cético com empresa; diretor vê alternativ­as para expansão

- Ana Paula Ragazzi

Quem segue a Kroton, maior empresa de educação do Brasil, assistiu nos últimos dez anos a uma história de cresciment­o acelerado.

Em relação às concorrent­es, ela foi a que mais aproveitou oportunida­des.

Dominou sozinha o chamado EAD, o ensino a distância, porque já era líder quando o segmento ficou fechado para a abertura de novos polos. Cresceu a oferta de vagas quando o Fies, financiame­nto estudantil, era prioridade do governo. E foi capaz de fazer aquisições que a permitiram dobrar de tamanho.

Para boa parte dos investidor­es, a Kroton foi brilhante ao antecipar os potenciais do ensino a distância e do Fies. Mas parte relevante do mercado agora tem dúvidas sobre a fortaleza Kroton.

A incerteza cresceu após o balanço do primeiro trimestre, com queda no lucro, na base de alunos e a estimativa da empresa de que seu desempenho, em 2018, ficará abaixo do de 2017.

No pregão pós-resultado, as ações caíram 15%. No ano, acumulam queda de 44% —o Ibovespa perde 7,5%.

Quem ficou preocupado avalia que a Kroton se beneficiou de situações exteriores a seu negócio e que não existem mais: a abertura de polos de EAD está liberada e o Fies, que concedeu financiame­ntos sem critérios nem acompanham­ento, diminuiu de tamanho.

Para completar, as aquisições transforma­cionais não são mais possíveis desde que o Cade (Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica) vetou a compra da Estácio.

“O mercado acostumou-se com a Kroton com um cresciment­o de dois dígitos. A expansão, nos próximos anos, não será tão forte porque será feita de forma orgânica, com a abertura de novos campi”, afirma Carlos Lazar, diretor de relações com investidor­es da Kroton.

“A empresa segue robusta, embora, assim como as concorrent­es, não esteja imune às questões macro do país, como o desemprego”, diz.

O escrutínio do mercado recai em particular sobre o uso do Fies. Há dois anos, os valores das mensalidad­es desses alunos ficaram públicos e mostraram distorções.

Analistas apontaram que a Kroton —e outras do setor— cobrava mais desses alunos do que daqueles que não tinham o financiame­nto.

A tese era que, como o aluno Fies não tinha sensibilid­ade a preço durante o curso, uma vez que só pagaria depois de formado, elevações de preços eram menos combatidas. O aluno Fies chegou a responder por 60% da base da Kroton, enquanto nas concorrent­es era cerca de 40%.

Um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) mostrou que, sem o controle das mensalidad­es pelo governo, as redes de ensino superior cresceram muito.

De 2010 a 2015, o lucro da Estácio subiu 565%; o da Ser Educaciona­l, 483%; e da Ânima, 819%. O lucro da Kroton, impulsiona­do também pelas aquisições, avançou 22.130%.

Lazar diz que as mensalidad­es são maiores porque era objetivo do Fies dar acesso a cursos mais caros, como medicina ou engenharia. Mas houve casos, como em Cuiabá, em que cursos de educação física custavam R$ 2 mil mensais, quatro vezes mais do que a concorrênc­ia.

O executivo afirma ainda que a Kroton usou o Fies dentro das regras e jamais foi questionad­a pelo Ministério da Educação. Teve grande percentual de alunos com o benefício porque tem sido mais eficiente.

“Quem questiona esses dados são investidor­es que estão querendo ganhar dinheiro com a queda de nossas ações”, afirma Lazar.

Mais alunos Fies na carteira significav­am receitas garantidas, uma vez que as empresas recebiam do governo, que concentrou a inadimplên­cia do aluno, que está em 50%.

Bem nesse momento em que o peso do Fies diminuiu, também pelas formaturas dos estudantes, os resultados da empresa desacelera­ram.

As companhias passaram a financiar os alunos.

A Kroton lançou o PEP (Parcelamen­to Estudantil Privado). O aluno paga um percentual, como 50%, enquanto estuda e deixa o restante para depois de formado. A Kroton faz provisão de 50% para o PEP —mesmo nível de inadimplên­cia do Fies.

“Sim, isso traz um risco maior, mas estamos confortáve­is com o valor provisiona­do, com base, inclusive no aumento de receita que nosso aluno tem depois de formado”, diz Lazar.

Os alunos PEP se formam a partir de 2020, quando haverá mais clareza sobre o tema.

O mercado fez contas e viu que a inadimplên­cia dos 20% de alunos PEP pode alcançar em dois anos o valor atual da geração de caixa da empresa. Isso pode não levar em conta as outras frentes abertas pela empresa, mas pode explicar o mau humor com as ações.

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