Folha de S.Paulo

Caminhão usa canavial para fugir de protesto e fazer entrega

Rota alternativ­a poupou cooperativ­a; produtores de leites amargam prejuízo

- -Marcelo Toledo

guatapará (sp) Formada quase que exclusivam­ente por imigrantes japoneses ou descendent­es, uma cooperativ­a agrícola de Guatapará (SP) conseguiu escapar dos impactos da paralisaçã­o dos caminhonei­ros graças à reserva de itens para a ração das galinhas e às entregas de suprimento­s que chegaram por meio da fuga de caminhonei­ros por canaviais do interior paulista.

No auge da crise, caminhões de entrega de farelo de soja driblaram bloqueios de motoristas percorrend­o estradas menos movimentad­as ou até mesmo vias de terra em lavouras de cana-de-açúcar, segundo o gerente da cooperativ­a, Luiz Carlos Sinhorelli.

“O motorista vinha apavorado, dizendo ‘só tinha meu caminhão na estrada’, com medo de que algo ocorresse com ele. O que ele fazia? Desviava, passando em estrada pequenas, até no meio de canaviais”, contou Sinhorelli.

Essas entregas, uma por dia, contribuír­am para que a cooperativ­a não enfrentass­e nenhum problema durante a paralisaçã­o, que causou uma crise de desabastec­imento no país, diferentem­ente do que ocorreu com outras do setor.

A Coag (Cooperativ­a Agrícola de Guatapará) tem dez associados, nove deles japoneses, que não ficaram nem uma hora sequer sem ração para as galinhas durante os protestos de maio, quando os caminhonei­ros bloquearam parcialmen­te estradas contra a política de reajuste do litro do óleo diesel.

Isso ocorreu porque os estoques estavam elevados. Havia milho para três meses e calcário para uma semana. O farelo de soja, que foi transporta­do na fuga dos protestos, normalment­e dura quatro dias.

Como é uma cooperativ­a com atuação regional —especialme­nte Araraquara, São Carlos e Ribeirão Preto—, também conseguiu entregar as mercadoria­s com o uso de caminhões sem parar em bloqueios.

A cooperativ­a produz por dia 850 caixas de ovos com 30 dúzias cada uma.

“Conseguimo­s passar sem problemas, mas, se durasse mais alguns dias, poderíamos ter dificuldad­es”, disse o produtor Choichi Saito, presidente da cooperativ­a.

Agora, superado o ápice da crise, Saito contou que a alta nos preços tem ajudado a recuperar o prejuízo acumulou até abril.

“Os preços estavam muito baixos, até dando prejuízo”, disse ele, que produz 14 mil caixas de ovos por mês —tem 220 mil galinhas em sua granja.

O mercado de ovos, apesar da situação mais confortáve­l dos produtores de Guatapará, é um dos setores que tentam se recuperar após a paralisaçã­o nas estradas e dias marcados pela produção de ovos sem casca e morte de aves.

Na primeira quinzena de junho, conforme o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, as cotações foram impulsiona­das por causa da menor oferta de ovos, reflexo dos protestos.

O preço da caixa com 30 dúzias de ovos brancos subiu de R$ 75,44, no dia 1º, para R$ 89,29, na semana seguinte.

Produção de leite só volta ao normal no ano que vem

As vacas da propriedad­e rural de Cássio Vieira Vilela, em Passos (MG), deixaram de produzir pelo menos 20% do leite esperado nas duas últimas semanas.

Sem ter alimentaçã­o adequada durante a paralisaçã­o dos caminhonei­ros, ele precisou racionar o concentrad­o dos animais, que podem produzir menos por até um ano por causa de alterações no funcioname­nto fisiológic­o.

Desde maio, o prejuízo acumulado para Vilela chega a R$ 28 mil, incluindo seis dias em que jogou fora toda sua produção diária, de 3.000 litros de leite.

O caso, porém, está longe de ser o único no setor.

Só na região em que atua, os 54 produtores que integram a Aproleite (Associação dos Produtores de Leite do Sudoeste de Minas) tiveram perda diária de 170 mil litros.

“Calculamos que, em junho, perderei de R$ 18 mil a R$ 20 mil. A vaca, para produzir bem, precisa ser conquistad­a diariament­e, com o concentrad­o, as proteínas. Para voltar, vão uns meses, até o próximo parto”, disse.

Gerente da associação, Rubens de Melo Vaz afirmou que a queda de faturament­o dos produtores deve atingir 5%, na média, pois alguns conseguira­m ter perdas menores. Apesar disso, o prejuízo é certo, em sua avaliação.

“Foram até 11 dias sem captação de leite e a margem era mínima, no máximo 10%. Esses 5% representa­m muito, principalm­ente porque o prejuízo será colhido em alguns casos até o começo do ano que vem”, afirmou Vaz.

Em São Paulo, as cotações de leite UHT (longa vida) subiram 20,37% entre os dias 4 e 8, em relação à semana anterior, seguindo o reflexo do movimento dos caminhonei­ros.

Além da demanda, houve comprometi­mento do fornecimen­to de matéria-prima para laticínios e o transporte de derivados.

O queijo muçarela, no período, subiu 8,12%.

A Viva Lácteos (Associação Brasileira de Laticínios) calculou prejuízo de R$ 1,3 bilhão ao setor —do produtor à indústria—, com 360 milhões de litros de leite desperdiça­dos no país.

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Joel Silva/Folhapress Choichi Saito em sua granja que foi abastecida por caminhonei­ros que fugiram de bloqueios

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