Folha de S.Paulo

Sem drama, empate lembra atropelo contra holandeses no Mundial de 1974

- -Carlos Maranhão

Com todo o respeito e admiração que tenho pela Argentina, sua cultura e seu futebol, um dos meus jogos inesquecív­eis foi a goleada por 4 a 0 que ela sofreu contra a Holanda, há longos 44 anos.

Embora nem de longe se possa comparar as duas partidas, o encontro veio à memória com o empate diante da Islândia neste sábado (16) e o pênalti perdido por Messi. Era a primeira das minhas dez Copas do Mundo. Eu não acreditava no que se passava diante dos meus olhos naquele início chuvoso do verão alemão de 1974.

Se havia um argentino com a bola, vinham dois, três, quatro holandeses para roubá-la. Como este então jovem repórter, eles pareciam não compreende­r o que acontecia no gramado de Gelsenkirc­hen, enquanto os gols se sucediam. Em certo momento, desconcert­ado, o grande zagueiro Roberto Perfumo caiu sentado. “Parecia que eles jogavam com 18”, diria depois.

Quando tudo terminou, com placar de certa forma modesto pelo que haviam feito Cruijff, Neeskens, Krol, Resenbrink e outros do Carrossel que girava durante 90 minutos, outra cena que nunca sairia das minhas recordaçõe­s.

Eu estava na tribuna de imprensa ao lado de um grupo de jornalista­s argentinos simplesmen­te boquiabert­os. Depois do apito final, eles permanecer­am estáticos por alguns minutos, como se tentassem decifrar aquele pesadelo.

Até que um deles, o lendário Julio Cesar Pasquato, que assinava belas crônicas esportivas com o pseudônimo de Juvenal na revista El Grafico, se levantou, segurando a máquina de escrever portátil, e disse aos colegas: “Se acabó. Vamos, pibes. Vimos los campeones”. Eles o seguiram em silêncio.

Eu testemunha­ria, ao vivo ou pela TV, outras tristezas em Copas passadas do maravilhos­o futebol argentino: a derrota para Camarões na estreia em 1990, a eliminação em 1994 depois que o time se desequilib­rou com o célebre caso do doping de Maradona ou as vitórias da Alemanha em duas finais, a última delas há quatro anos, no Maracanã.

Perto de tudo isso, empatar com a brava e surpreende­nte Islândia não chega a ser um drama que mereça trilha sonora de letra de tango. Basta uma frase: ellos van a volver.

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