Folha de S.Paulo

Moscou paulista, cidade cresceu cercada por mulas, trens e chaminés

- RA

Tinha uma vila no meio do caminho, e seu nome era Sorocaba. Para cada bandeirant­e, tropeiro ou trem que circulasse pelo interior do Brasil nos séculos 17 e 18, a passagem por essa cidade cujo nome significa, literalmen­te, “lugar da rasgadura”, era imprescind­ível.

Fundada em 1654 pelo bandeirant­e Baltasar Fernandes, Sorocaba nunca foi aquela típica cidade caipira que vive da terra e de seus frutos.

Depois de uma fase impulsiona­da principalm­ente pelo bandeirant­ismo, voltou-se para o comércio.

“Nunca tivemos uma aristocrac­ia rural como em Itu”, diz o historiado­r sorocabano José Rubens Incao, coordenado­r da Biblioteca Infantil do município. “Com o declínio dos bandeirant­es, vieram os tropeiros, que vendiam mulas criadas no Sul.”

Pela sua localizaçã­o estratégic­a, durante o século 18 a cidade passou a funcionar como um eixo de ligação entre as regiões Sul, Sudeste e Nordeste, fornecendo mulas para a exploração do ouro em Minas Gerais e da cana-de-açúcar em Pernambuco e na Bahia.

“Mal comparando, a Feira dos Muares [nome das feiras onde se realizava o comércio de mulas] era quase como uma festa do peão de Barretos. Havia a mula, mas também outros comércios, como de acessórios”, diz Incao.

Durante essa época, a população de Sorocaba chegava a ser três vezes maior do que a de São Paulo.

Ao redor das mulas, nasceu uma indústria. Facas, selas, arreios, estribos, chicotes e redes, tudo era vendido durante as feiras. No começo do século 19, a região tornouse o berço da siderurgia nacional, com a fundação da Real Fábrica de Ferro de Ipanema, no atual município de Iperó.

Com a criação da Companhia Estrada de Ferro Sorocabana, em 1870, por empresário­s ligados ao setor algodoeiro e à indústria têxtil, as mulas foram trocadas pelos trens. A história do “caipira em movimento”, como Incao refere-se ao ciclo dos muares em Sorocaba, ganhava novo capítulo.

A estrada de ferro passou a atrair fábricas, que transforma­ram a cidade em um dos principais polos do interior do estado. Foi apelidada de Manchester brasileira, pela vocação industrial e intensa atividade têxtil. Depois, ganhou a alcunha de Moscou paulista, pela grande atuação de movimentos sociais operários durante o século 20.

A partir dos anos 1960, a concentraç­ão de empresas de diferentes áreas moldaram a cidade como ela é hoje.

O cresciment­o demográfic­o e urbano sobreviveu à grande crise que afetou a indústria local nos anos 1980.

Embora tenha havido certa retomada do setor de lá para cá, simbolizad­a sobretudo pela instalação da fábrica da Toyota no município, o setor de serviços passou a ser responsáve­l por puxar o cresciment­o econômico local.

Nada exemplific­a melhor essa volta aos serviços do que a transforma­ção da antiga fábrica de tecidos Nossa Senhora da Ponte. Construída em 1881, no início do ciclo têxtil da cidade, seu prédio de tijolos aparentes hoje abriga o shopping Pátio Cianê, inaugurado em 2013. Lá, a indústria foi substituíd­a pelo comércio. De certo modo, um retorno ao tempo dos tropeiros.

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Pedro Neves dos Santos/Acervo da Biblioteca Infantil de Sorocaba Alberto Rocha/Folhapress Chaminé e galpão tombados da fábrica Santa Maria, hoje cercados de prédios
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Fábrica de tecidos Santa Maria, em 1923

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