Folha de S.Paulo

Luiz Horta divaga sobre mesas coletivas e vinhos festivos

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Amesa comunitári­a desconcert­a as pessoas, pensei, enquanto via, sentado de frente para a entrada, os clientes chegarem ao Futuro Refeitório. A mesa comprida, que fica diante da cozinha aberta, foi a última a ser preenchida. E mesmo assim, por dois grupos que deixaram o centro vazio, como uma espécie de zona entre as duas Coreias.

Havia uma dose de negociação na porta e um desapontam­ento nos que chegavam, quando viam que a única opção restante era dividir a mesa. Muitos continuara­m lá fora, na espera, preferindo aguardar do que sentar com estranhos.

O Futuro Refeitório força examinar o ambiente. Um velho galpão em que a referência é sempre o Brooklyn novaiorqui­no, todo mundo que conheço me falou disso. Como não conheço Nova York e morei um período na Berlim pré-gentrifica­ção atual, no lado que era realmente interessan­te da cidade, a antiga Berlim Oriental (sua iluminação a gás, ruas de gostosa melancolia e vida de galpões fabris reocupados por mercados, ateliês, cafés), tive uma imediata lembrança daqueles momentos.

Tenho a sina, ou alegria, de habitar cidades quando elas estão em seu momento mais boêmio. Pouco depois, viram grandes destinos cosmopolit­as, com as mesmas lojas e o mesmo público de todas as outras. Espero não seja o destino de Pinheiros, nem esta coluna é sobre urbanismo.

Ando com banzo de tortilhas mexicanas e pedi umas panquecas de milho para começar, muito gostosas, com queijo canastra. Milho anda perseguido e virou ingredient­e polêmico, mas o cheiro do México é de milho cozido, de tortilhas vendidas nas ruas, com suas dezenas de receitas e nomes, e eu vivo em busca da tortilha de verdade, depois da minha mexicomani­a recente.

Um tiradito de pescado do dia, com coentro despudorad­o (ninguém me perguntou, felizmente, se tinha alguma restrição alimentar, o que contou pontos), receita peruana sem coentro é triste.

Pouco entusiasma­do por pratos vegetarian­os, acabei por admitir que o que mais gostei no jantar foi o curry de legumes. E trouxe para casa um pain au chocolat e um croissant, que me alegraram a madrugada.

Achei que, naquele lugar, que pode ser frequentad­o a qualquer hora para um café (muito bom) ou um pão (ótimo), caberia uma carta de vinhos mais ampla, com rótulos de alta “bebibilida­de”. Pensei na uva chilena país (falo aí ao lado dela). Nunca pensei que escreveria isto, o Futuro Refeitório pede uma carta de vinhos naturais.

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Crostini de ricota, anchova e limão em conserva do Futuro Refeitório

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