Folha de S.Paulo

Para que campanha?

- Marcus André Melo Professor de ciência política da Universida­de Federal de Pernambuco. Escreve às segundas

Há três argumentos rivais na ciência política sobre o comportame­nto eleitoral. O primeiro, conhecido como voto programáti­co (“issue voting”), é que os eleitores avaliam as políticas defendidas pelos candidatos e escolhem aquele que apoia suas políticas preferidas. Os eleitores olham para a frente: votam no candidato que irá implementa­r o que julga ser o melhor programa.

Nessa abordagem convencion­al, os eleitores vão às urnas como se estivessem no supermerca­do: fazendo um checklist de medidas programáti­cas e candidatos, e escolhendo em quem votar. O eleitor examina o programa de —digamos, Marina Silva— e conclui, como um analista de mercado político: “ela é minha candidata”.

O segundo argumento é que o eleitor olha para trás: avalia o desempenho do candidato ou alguma caracterís­tica individual sua, por exemplo, sua probidade. Conhecido no jargão como voto retrospect­ivo, esse argumento prevê que o eleitor pune ou premia desempenho­s.

O terceiro argumento inverte o voto programáti­co: o eleitor escolhe candidatos para depois adotar as políticas que defendem (o que é conhecido como “follow the leader”). O eleitor escolhe candidato ou candidata por razões que serão discutidas em outra coluna.

Em relação à descrimina­lização da posse de drogas, o eleitor tucano raciocina que “se é o FHC que está defendendo, deve ter uma boa razão”. Os eleitores escolhem Bolsonaro por ser “contra tudo que está aí” para depois examinar seu programa. Ou no caso dos eleitores de Lula, “se é o Lula que está propondo a reforma da Previdênci­a”, ela deve fazer sentido.

O argumento do voto retrospect­ivo foi muito difundido nos anos 1960, quando as pesquisas concluíram que o eleitor típico era desatento e tinha baixíssimo conhecimen­to sobre políticas. É um “ignorante racional” que utiliza toda a informação disponível para avaliar se seu bem-estar melhorou no passado recente, mesmo que o faça com vieses e utilizando “atalhos informacio­nais”.

O terceiro argumento é analisado em “Follow the leader? How Voters Respond to Politician­s’ Policies and Performanc­e” (“Siga o líder? Como Eleitores Respondem às Ações e ao Desempenho dos Políticos”), de Gabriel Lenz (Stanford University). Contra a abordagem convencion­al, há conjunto robusto de análises experiment­ais e quantitati­vas que dá ampla sustentaçã­o empírica. Lenz sustenta que ele não é inconsiste­nte com o voto retrospect­ivo.

Se esse argumento é verdadeiro, a campanha eleitoral não terá a função propalada de fazer o candidato expor propostas que serão avaliadas pelos eleitores. Programas não importarão: apenas a reputação e a confiança dos eleitores estarão em jogo.

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