Folha de S.Paulo

Tem que manter isso

- Helio Schwartsma­n helio@uol.com.br

Fez bem o Supremo Tribunal Federal em proibir a condução coercitiva. Ela sempre me pareceu uma impossibil­idade lógica. Como já escrevi aqui, num país cuja Constituiç­ão assegura a réus e suspeitos o direito de permanecer em silêncio, levá-los para depor “manu militari” não passa de um exercício de exibicioni­smo narcísico e um enorme desperdíci­o de gasolina pública.

Se tudo o que as autoridade­s podem fazer em relação ao sujeito que se nega a prestar esclarecim­entos é registrar a recusa, não há por que transforma­r a providênci­a burocrátic­a num espetáculo circense.

Registre-se, porém, que não era ruim o argumento dos defensores das conduções. Diziam que elas eram, na prática, uma espécie de proteção ao suspeito, já que os juízes as utilizavam como alternativ­a à prisão cautelar, que está em seu poder decretar em qualquer fase do processo. E é sempre preferível passar algumas horas com o delegado a ser preso.

Esse tipo de raciocínio é sedutor, mas complicado, porque depende de contrafact­uais aos quais não temos acesso. Privados das conduções coercitiva­s, magistrado­s de fato determinar­iam mais prisões? Não sabemos.

Cabe aqui a analogia com as balas de borracha usadas pela polícia no controle de multidões. Os críticos alegam que, pelo fato de esses projéteis serem considerad­os não letais, os policiais os disparam com mais liberalida­de do que o fariam se se tratasse de munição de chumbo, causando, no fim das contas, mais danos do que se pretendia ao adotar a tecnologia.

Para manter o incentivo às delações premiadas, como se deseja, não são necessária­s conduções coercitiva­s e nem mesmo prisões provisória­s. Do ponto de vista da teoria dos jogos, o que motiva a colaboraçã­o do réu é a perspectiv­a de sofrer condenação num horizonte próximo e aí amargar uma longa pena. Para manter isso, tudo o que precisamos fazer é não recuar da execução da sentença a partir da segunda instância.

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