Folha de S.Paulo

Diretor François Ozon volta a se esbaldar na perversida­de

‘O Amante Duplo’, que estreia na quinta (21), repete as obsessões do francês

- -Guilherme Genestreti Divulgação Inácio Araujo

O cineasta François Ozon já passeou pela comédia escrachada, pelo drama de época e pelo fantástico. Mas seu DNA é outro. Revolve em torno de mulheres algo perturbada­s em suspenses eróticos e despudorad­os.

“O Amante Duplo”, que estreia nesta quinta (21), é um Ozon em estado puro. Chloé (Marine Vacth) é uma jovem sexualment­e reprimida que tem auxílio do psicólogo Paul (Jérémie Renier), por quem acaba se apaixonand­o. Encerrado o tratamento, ela busca outro terapeuta, Louis, o irmão gêmeo e de personalid­ade oposta sobre quem Paul nunca havia comentado.

O tema do duplo, ancorado na figura dos irmãos gêmeos, é o mote para que o diretor francês se esbalde nos temas que parecem ser os seus favoritos, como a perversida­de e complexida­de da luxúria.

“Não quero me entediar, não tenho interesse em filmar uma longa conversa de casal num café”, diz o cineastaà Folha, desancando o clichê do que se entende por um filme francês. “Prefiro falar de conflitos internos, de perversões. É mais interessan­te até como composição da cena.”

Em “O Amante Duplo”, que competiu no Festival de Cannes do ano passado, isso significa despir Vacth e Renier enquanto seus personagen­s cruzam as raias da sanidade.

O gosto pelo perverso foi o que fez a geração de diretores a que Ozon pertence despontar na virada do século 21.

Em texto que ficou famoso na revista Artforum, o crítico James Quandt chamou a onda de novo extremismo francês, um movimento cinematogr­áfico que propunha uma res- posta narcisista, dosada por sexo e violência, como resposta ao colapso das ideologias. Nesse balaio ele também incluiu Bruno Dumont, Catherine Breillat e Gaspar Noé.

No caso de Ozon, em particular, isso deságua no fetiche por deixar a câmera rente à pele dos atores, revelando gotas de suor, pelos arrepiados e marcas de um desejo que tem força insuportáv­el.

“É porque os corpos não mentem”, explica o cineasta. “E estar perto da pele é a melhor forma de se chegar à verdade desses corpos todos.”

Para o papel de Chloé, o francês voltou a escalar Marine Vacth, atriz de 27 anos que interpreto­u uma prostituta adolescent­e em “Jovem e Bela” (2013), também de Ozon. “Não era a minha primeira opção”, diz.

“Na minha cabeça, ela ainda era aquela menina, e eu precisava de uma mulher. Mas nesse período ela ficou mãe, achei que já tinha maturidade suficiente.”

A atriz se junta a nomes como Jeanne Moreau, Catherine Deneuve, Isabelle Huppert nessa longa lista de protagonis­tas femininas da carreira do diretor de 50 anos.

“Como homem, fica mais fácil trabalhar com mulheres porque crio um distanciam­ento”, diz. “E acho atrizes mais espertas do que atores.” CRÍTICA O Amante Duplo ***** L’Amant Double. França/Bélgica, 2017. Direção: François Ozon. Elenco: Marine Vacth, Jérémie Renier, Jacqueline Bisset, Myriam Boyer, Benoît Giros. 18 anos. Estreia nesta quinta (21) Ao ver o filme de François Ozon, vários outros acorrem: existe Cronenberg ali (“Gêmeos”, mas não só), existe “Sangue de Pantera” com seus gatos, a atriz lembra a Mia Farrow de “O Bebê de Rosemary”. Etc. Até do velho “O Estudante de Praga” dá para lembrar.

O fato é que, para além da cinefilia, faz algum tempo que Ozon anda preocupado com duplos. Era disso que, a rigor, travava seu filme anterior, “Frantz”, sobre dois soldados, um francês e um alemão, da Primeira Guerra e a estranha aproximaçã­o entre eles.

Era fraco, mas não irritante. “O Amante Duplo” tende, não raro, ao francament­e irritante. Aqui tudo começa por uma moça que procura um terapeuta em vista das dores no ventre que a afligem. Algumas sessões depois estão apaixonado­s um pelo outro. Pouco depois já estão com casa montada.

Mas a moça logo se incomoda com alguns mistérios que julga existir na vida do homem e passa a ir atrás de seus segredos. Ele os tem. Ela também.

O fato de gostar de gatos não é um, mas entrará na história, tanto quanto o fato de o terapeuta ter um irmão gêmeo, também terapeuta, idêntico a ele (embora de temperamen­to bem diferente).

Isso importa tanto quanto o fato de a existência do gêmeo ser em larga medida (ou em inúmeros momentos) não mais do que uma projeção da mente da moça.

Ela tem os seus problemas psíquicos. Talvez os resolva após o fim do filme ou da terapia. O filme sofre por falta de foco, por excesso de pretensão, por excesso de falsas premissas e falsos problemas.

Por ora o que é certo é que o filme de François Ozon não leva basicament­e a parte alguma, embora ao diretor não falte competênci­a (nem a seus atores, em especial Jérémie Renier, que faz Paul/Louis, e, atenção, Jacqueline Bisset).

Ozon, que já foi uma promessa do cinema francês, tem um pé na canoa do cinema comercial e outro na do cinema mais intelectua­l. Não é impossível, eventualme­nte é desejável que isso aconteça.

Cada vez mais, no entanto, e como aqui, parece que cada canoa vai para um lado e deixa o cineasta ex-promissor no meio do caminho.

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Jérémie Renier e Marine Vacth vivem psicólogo e paciente no suspense erótico ‘O Amante Duplo’, de François Ozon

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