Folha de S.Paulo

Melancólic­o, longa russo ‘Dovlatov’ tem belos momentos visuais

- -Sérgio Alpendre Divulgação

CINEMA Dovlatov ***** Rússia/Polônia/Sérvia, 2018. Direção: Aleksei German. Elenco: Milan Maric, Helena Sujecka, Artur Beschstany. 14 anos. Em cartaz

Aleksei German Jr., 41, diretor de “Sob Nuvens Elétricas” (2015), filme com o qual foi revelado no Brasil, é filho do Aleksei German (19382013), de clássicos soviéticos como “Vinte Dias Sem Guerra” (1977) e “Meu Amigo Ivan Lapshin” (1985), e do celebradís­simo “É Difícil Ser Deus” (2013).

Sabemos que talento não é hereditári­o. Ainda assim, German Jr., como por vezes é identifica­do, tem algo a dizer sobre os caminhos de seu país (em “Sob Nuvens Elétricas”) e principalm­ente sobre a história da União Soviética (e de seus artistas), neste “Dovlatov”, que estreia no Brasil depois de ter competido no Festival de Berlim, em fevereiro.

Acompanham­os seis dias cruciais na vida do jovem escritor e jornalista Sergei Dovlatov (1941-1990), interpreta­do aqui pelo ótimo ator sérvio Milan Maric. Estamos em novembro de 1971, quando o frio já castiga Leningrado (atual São Petersburg­o). Nesse momento, o regime soviético estava mais fechado, com o stalinista Leonid Brejnev, encerrando anos de uma relativa abertura iniciada com o líder anterior, Nikita Krushchov.

Por isso, e por sua recusa em se associar ao sindicato, os manuscrito­s de Dovlatov são sempre recusados pelas autoridade­s, obrigando-o a engolir sapos pelo ganha-pão. Seu amigo Joseph Brodsky (Artur Beschastny), escritor que seria laureado com o Nobel em 1987, está prestes a sair da URSS em busca de liberdade artística.

Eis o dilema. Dovlatov quer ficar em Leningrado com sua esposa Elena (Helena Sujecka) e sua filha Katya (Eva Herr), mas o preço a pagar é ter sua arte sabotada ou aniquilada pelo autoritari­smo daqueles dias. De fato, o escritor só se tornou amplamente reconhecid­o em seu país em 1989, um ano antes de sua morte.

Assim aconteceu com grandes diretores. Sergei Parajanov (“A Cor do Romã”, 1969) e Andrei Tarkovski (“Solaris”, 1972) poderiam ter filmado muito mais e tiveram de conviver com essa frustração. E aconteceu também com Aleksei German pai, que realizou apenas quatro longas antes da queda do regime.

German, o filho, filma com uma câmera sempre em movimento, à procura de enquadrame­ntos cuidadosos e informativ­os, discreta e elegante. Prefere os tempos longos, evitando cortes desnecessá­rios.

A fotografia (Lukasz Zal, de “Ida”) remete aos anos 1940, mas sem as vibrantes cores que o cinema soviético já demonstrav­a então —vide o incrível “Flor de Pedra” (1946), de Alexander Ptushko.

A suavidade das cores é comum nos dramas históricos europeus, e talvez tenha servido para German criticar a paralisia de seu país naquele início da década de 1970, atrasado uns 30 anos em relação à Europa capitalist­a. Outro sinal disso está na trilha sonora: em 1971, é como se o rock ainda não existisse.

“Dovlatov” é um filme melancólic­o, com belos momentos visuais em meio a truques derivativo­s na narrativa (o uso de inúmeras referência­s a outros escritores, por exemplo). Um retrato de uma época difícil que o diretor não testemunho­u (pois nasceu em 1976).

E de um ano em que seu pai teve um longa banido pelo regime (e liberado somente em 1986): “Provação nas Estradas”.

 ??  ?? Cena de ‘Dovlatov’, de Aleksei German Jr., ambientado nos anos 1970, em Leningrado, hoje São Petersburg­o; filme acompanha seis dias do jornalista Sergei Dovlatov (1941-1990)
Cena de ‘Dovlatov’, de Aleksei German Jr., ambientado nos anos 1970, em Leningrado, hoje São Petersburg­o; filme acompanha seis dias do jornalista Sergei Dovlatov (1941-1990)

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