Folha de S.Paulo

Cidade-sede da Copa conclui base reforçada para mísseis nucleares

Local em Kaliningra­do está a cerca de 40 km da arena que recebe as partidas do Mundial

- -Igor Gielow James Hill - 3.abr.14/The New York Times

“Há sempre um raio da morte ou uma praga intergalác­tica prestes a acabar com esse miserável planetazin­ho. O único jeito de essas pessoas viverem suas vidas felizes é não saberem nada sobre isso!”

A frase é dita pelo agente vivido por Tommy Lee Jones a seu pupilo em “Homens de Preto”, comédia de 1997 sobre um serviço secreto que lida com alienígena­s. Em um sentido, ela se aplica à Moscou da Copa do Mundo.

A capital russa está inundada por turistas, e a atmosfera nas ruas para pedestres no centro é de festa contínua.

Se o atropelame­nto de um grupo no sábado (16) e o policiamen­to pesado evidenciam riscos mais imediatos, é vaga a noção de que Moscou é um dos lugares que mais rapidament­e serão vaporizado­s numa guerra nuclear global.

Se isso parece paranoia de quem viveu a Guerra Fria, é bom pensar duas vezes. Nesta segunda (18), a prestigios­a FAS (Federação dos Cientistas Americanos, na sigla inglesa) divulgou fotos de satélite indicando que a Rússia concluiu uma base reforçada para mísseis nucleares.

O lugar? Em Kaliningra­do, uma das 11 sedes da Copa, a cerca de 40 km do estádio que recebe os jogos do Mundial. Antigo território alemão, esse enclave russo no Báltico é a ponta de lança de qualquer cenário de confronto entre o Ocidente e Moscou.

Segundo o diretor da FAS disse ao jornal britânico The Guardian, as obras são evidência inequívoca de que ali estão ou estarão ogivas nucleares.

Em janeiro, a Rússia já havia ativado um regimento de mísseis táticos Iskander-M, que podem levar bombas atômicas, no território. Com alcance de 500 km, eles cobrem os Estados Bálticos e a Polônia e chegam às portas de Berlim.

Com a progressiv­a deterioraç­ão das relações com o Kremlin desde 2008, quando Vladimir Putin travou uma guerra na Geórgia, os países ocidentais veem com preocupaçã­o a recuperaçã­o militar de Moscou.

Ela é uma resposta dos russos à expansão da Otan, aliança militar liderada pelos EUA, em direção às suas fronteiras depois do fim da União Soviética. Quase todo o antigo bloco comunista agora é parte da Otan, incluindo aí as repúblicas do mar Báltico de que Kaliningra­do é vizinha.

“Se durante a Guerra Fria era impossível pensar num confronto nuclear, infelizmen­te esse risco está cada dia mais real”, afirma Ivan Barabanov, 52, analista militar moscovita.

Ele cita longa lista de entrechoqu­es, como a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014 ou a crise diplomátic­a atual, disparada pelo envenename­nto de um ex-espião russo no Reino Unido em março.

Barabanov contempori­za lembrando que uma escalada nuclear ainda é um cenário extremo. “Mas ele existe, e isso me preocupa, não menos porque moro num alvo.”

Ainda que Moscou inteira seja um lembrete dos tempos soviéticos, são escassos os sinais da infraestru­tura para uma guerra nuclear —com a exceção de algumas estações de metrô mais profundas.

Só há um abrigo nuclear aberto para visitação na Rússia. Diferentem­ente de países como a Letônia e a Lituânia, onde há várias instalaçõe­s do tipo, o produto é raro no país de Putin porque a rede de fortificaç­ões ainda está ativa.

O chamado Bunker-42, que abriga um museu homônimo no distrito de Tangansk, foi construído em 1956 para abrigar um centro de comando de espaço aéreo. Após um ataque atômico, ele poderia manter 600 pessoas por até três meses a 65 metros de profundida­de.

O lugar chamou a atenção de alguns turistas da Copa. Como tem horários restritos para visitas guiadas, estava com “overbookin­g” nesta segunda. “Consegui vaga para amanhã, me orientaram a comprar pelo site. A gente passou a vida ouvindo histórias sobre esses lugares, agora quero ver com meus olhos”, disse o turista peruano Hector Jimenez, 48.

Há resquícios mais sutis. É o caso da base de alerta antecipado de ataques com mísseis Serpukhov-15, visível para quem chega de avião pela rota de aproximaçã­o sul do aeroporto de Vnukovo, no sudoeste de Moscou.

Em 1983, uma época de extremo estresse nas relações entre Estados Unidos e União Soviética, o lugar quase disparou uma guerra.

O computador falhou e indicou que havia um ataque americano em curso.

O oficial de plantão, Stanislav Petrov, achou improvável que a Terceira Guerra Mundial fosse começar com quatro ou cinco foguetes e esperou sem avisar seus superiores. Estava certo.

Petrov, que morreu no ano passado aos 77 anos, só teve sua história revelada após a Guerra Fria. Ele contava que nem sua mulher sabia o que ele fazia no trabalho e que era melhor assim, um elogio ao adágio da ignorância como motivo de felicidade que encontra eco nas barulhenta­s ruas de Moscou neste junho.

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Visitantes em corredor do Bunker-42, abrigo subterrâne­o da era soviética transforma­do em museu sobre o período da Guerra Fria

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