Folha de S.Paulo

Literatura no cárcere

Projeto em prisões de SP mostra ganhos concretos

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Desde 2013, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) autorizou a remição da pena pela leitura, 5.547 detentos foram beneficiad­os por esse projeto no Brasil, segundo dados de 2016 do Levantamen­to Nacional de Informaçõe­s Penitenciá­rias (Infopen), sistema que reúne as informaçõe­s do sistema prisional.

É um número baixo, se comparado com as quase 700 mil pessoas privadas de liberdade em todo o país. A recomendaç­ão do CNJ determina que, a cada livro lido, é possível reduzir quatro dias da pena. Para isso, o leitor deve escrever um resumo da obra que deve ser aprovado por um parecerist­a. Esses documentos seguem para o juiz responsáve­l, que julga o pedido de remição.

Medir os benefícios dessa proposta, para além da redução da pena, tem gerado debates acalorados entre os que veem na leitura ganhos efetivos para a reintegraç­ão do indivíduo à sociedade e os que a avaliam como um privilégio concedido a pessoas que, de algum modo, causaram danos à população. Sem entrar no mérito dessa discussão, é fato que, dentro ou fora da prisão, as benesses da leitura são muitas e difíceis de mensurar.

Uma pesquisa feita em 2017 pela editora Companhia das Letras, que há três anos, em parceria com a Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel (Funap), subsidia um projeto de clubes de leitura e remição de pena em doze unidades prisionais do estado de São Paulo, indicou que os ganhos são mais concretos do que se pode imaginar à primeira vista.

Durante um ano, 177 detentos se reuniram mensalment­e para discutir uma obra selecionad­a pela curadoria do projeto. Esses encontros foram pautados pela diversidad­e literária, pelo grau de dificuldad­e das obras e conduzidos por um mediador da Funap, capacitado para acolher opiniões diversas e instigar o debate. Esse grupo respondeu a um questionár­io sobre sua relação com a literatura, antes e depois da entrada no projeto, com foco nos hábitos de leitura, nas mudanças no cotidiano, nas habilidade­s de comunicaçã­o e, ainda, acerca de uma nova visão de si e do mundo.

No campo da formação do leitor, os participan­tes, que antes procuravam livros de um autor conhecido e recomendav­am leituras aos outros detentos, passaram a debater sobre as obras e compará-las, a buscar novos autores e a frequentar de maneira mais assídua a biblioteca de sua instituiçã­o. Entre os que tinham ensino fundamenta­l e médio, 65% relataram que a leitura se tornou “extremamen­te importante” depois de tomarem parte no projeto. Anteriorme­nte, esse percentual era de 21% e 44%, respectiva­mente.

Do ponto de vista dos ganhos individuai­s e sociais, quando perguntado­s sobre as eventuais mudanças percebidas em si próprios, a resposta mais frequente foi que os envolvidos conseguira­m perceber uma “ampliação de conhecimen­tos”.

Em segundo, que se sentiam mais motivados “para traçar planos para o futuro”. Na sequência, aparecem motivações como “capacidade de reflexão” e de “expressar sentimento­s”, possibilid­ade de “dizer o que pensa”, “maior criativida­de” e, por último, “maior criticidad­e”.

De qualquer ângulo que se procure observar, esses ganhos já seriam significat­ivos, pois no ambiente prisional revelam uma extraordin­ária mudança na chave da autoestima. O certo é que os leitores passam a reconhecer suas competênci­as sociais e intelectua­is e, como consequênc­ia, revelam o desejo de traçar planos para o futuro.

A reintegraç­ão na sociedade é complexa e depende de muitos fatores para ser bem-sucedida. Mais prudente do que enxergar a literatura como tábua de salvação é olhar para o espírito de projetos como esse, em que ganham o participan­te — que se sente respeitado e recompensa­do por seu esforço—e a sociedade, que recebe de volta alguém mais esperanços­o, mais crítico e mais determinad­o a reescrever sua história.

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