Folha de S.Paulo

Vice de Trump cobra empenho do Brasil para resolver crise migratória

Pence pede ação de Temer para isolar Maduro e diz que trabalhará para reunir famílias detidas

- Patrícia Campos Mello e Gustavo Uribe

Sob a tensão causada pela retenção de 51 crianças brasileira­s separadas dos pais nos EUA, o vice-presidente americano, Mike Pence, cobrou maior empenho do Brasil para resolver a crise migratória na região e para isolar o regime Maduro na Venezuela.

A cobrança causou mal-estar no governo brasileiro na primeira visita de um integrante de alto escalão do governo de Donald Trump ao país em 17 meses de gestão.

Em Brasília, Pence fez uma advertênci­a à população da América Central, de onde parte a maioria dos imigrantes ilegais com destino aos EUA —ele se reúne quinta (28) com os presidente­s de Guatemala, Honduras e El Salvador.

“Para as pessoas da América Central, tenho um recado, do coração: queremos que suas nações prosperem e que vocês não arrisquem suas vidas e as de seus filhos tentando vir para os EUA; se vocês não conseguem vir legalmente, não venham; cuidem de suas crianças e construam suas vidas em seus países de origem.”

Em declaração à imprensa após encontro com Temer e almoço no Itamaraty, Pence afirmou que o governo americano trabalha para reunificar as famílias, entre elas “as famílias brasileira­s pegas nessa onda de imigração ilegal”.

Desde que o governo Trump implemento­u a política de tolerância zero com a imigração ilegal, em abril, mais de 2.300 crianças foram detidas e separadas de suas famílias.

Temer e Pence reuniram-se por cerca de uma hora no Palácio do Planalto. O vice americano entrou no Planalto pela porta lateral, ao som de música de ninar americana, tocada com trompete por um dos poucos manifestan­tes na frente do Planalto, com placas “Libertem nossas crianças”.

Temer afirmou que a detenção das crianças brasileira­s é um tema sensível, preocupant­e e precisa de uma solução célere. Mas evitou criticar a política migratória norteameri­cana. O presidente afirmou que o Brasil está disposto a buscar os menores brasileiro­s e trazê-los de volta ao país.

Pence teria então dito que os brasileiro­s não são o cerne do problema e prometido fazer o possível para reunir as famílias, apurou a Folha.

Além disso, na manhã desta terça, o governo americano compartilh­ou com o Brasil dados do Departamen­to de Segurança Interna que estão sendo cruzados para agilizar a localizaçã­o dos brasileiro­s.

“Os EUA sempre foram o país mais acolhedor para imigrantes”, afirmou, ressaltand­o, porém, que o país investe como nunca na segurança das fronteiras: “Quero dizer a todas as nações da região, com todo o respeito, que da mesma forma que os EUA respeitam suas fronteiras e sua soberania, insistimos que vocês respeitem as nossas”.

Segundo Pence, os EUA estão ajudando a combater o crime e o tráfico de drogas na região, as causas que levaram mais de 150 mil pessoas a imigrarem ilegalment­e para os EUA nos últimos seis meses.

O americano afirmou que todos os países da região precisam ajudar a garantir a estabilida­de de países vizinhos aos EUA, para que essas pessoas —provenient­es sobretudo de Honduras, Guatemala e El Salvador— fiquem em suas próprias casas.

“Por isso, hoje digo ao nosso aliado Brasil: chegou a hora de vocês fazerem mais”, disse.

O tom de Pence causou desconfort­o entre integrante­s do governo brasileiro, que não esperavam cobranças na declaração à imprensa, mas, sim, promessas de pronta resolução do problema das crianças.

Segundo pessoas que participar­am do almoço no Itamaraty e do encontro com Temer, Pence foi mais corda- to a portas fechadas. Diante das câmeras, parecia passar recado para o público americano, algo considerad­o deselegant­e com o anfitrião.

Nesta quarta (27), Pence visitará um abrigo para venezuelan­os, em Manaus —ele anunciou a doação de US$ 10 milhões dos EUA (ou R$ 38 milhões, dos quais US$ 1 milhão para o Brasil) para ajudar na acolhida dos venezuelan­os.

O republican­o afirmou que os EUA impuseram as mais duras sanções contra membros do regime venezuelan­o e agradeceu à União Europeia por ter imposto sanções sobre 11 integrante­s do regime.

Ele agradeceu ao Brasil o esforço para isolar o regime Maduro com a suspensão do Mercosul e por se unir aos EUA no processo de suspender o país da Organizaçã­o dos Estados Americanos. E voltou a cobrar.

“Agora é hora de agir de forma mais enérgica —exortamos o Brasil a adotar mais medidas para isolar o governo venezuelan­o”, afirmou.

Após a declaração, o chanceler Aloysio Nunes reiterou que o Brasil apenas adota sanções de forma multilater­al, como no âmbito do Conselho de Segurança da ONU.

Pence elogiou os esforços de Temer em implementa­r reformas fiscais e liberaliza­ntes que, afirmou, alinham o Brasil com os requisitos da OCDE, a organizaçã­o de países ricos na qual os EUA vêm barrando a entrada do país.

Collor critica política americana em almoço

Durante almoço no Itamaraty para o vice-presidente americano, o senador Fernando Collor (PTC-AL), presidente da comissão de Relações Exteriores do Senado, criticou a política migratória dos EUA, citando a frase inscrita na Estátua da Liberdade: “Dê-me suas massas de pobres e cansados que anseiam por respirar livremente”.

Ele afirmou que o governo americano não deveria acabar com o sonho americano.

Pence defendeu a política de seu governo e disse que ele mesmo era filho de imigrantes irlandeses; mas afirmou que o sonho americano sobrevive, desde que se preserve o direito do governo de defender a lei e a soberania do país.

Collor disse se preocupar ainda com a guerra comercial. Os EUA impuseram cotas a aço e alumínio importados, inclusive do Brasil, e tarifas sobre exportaçõe­s chinesas.

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Sérgio Lima/AFP O vice-presidente dos EUA, Mike Pence, chega ao Palácio do Itamaraty para recepção de almoço após encontro com o presidente Michel Temer

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