Folha de S.Paulo

Delação investigad­a

Ação contra ex-procurador que ajudou donos da JBS alimenta esperanças de políticos sob suspeita, mas pode impor rigor a colaboraçõ­es premiadas

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Sobre denúncia contra exprocurad­or da República.

Em março de 2017, no que foi registrado como um dos seus primeiros dias de trabalho para os donos da JBS, o então procurador da República Marcello Miller saiu às 7h de sua casa no Rio, viajou até São Paulo e só encerrou o expediente às 23h30, mais de 16 horas depois.

Procurador­es que na segunda (25) acusaram de corrupção o excolega calcularam que, em média, ele atuou oito horas diárias para a empresa durante a negociação do acordo de delação premiada que ela assinou com a Procurador­ia-Geral da República há um ano.

Conforme a acusação apresentad­a à Justiça Federal, Miller recebeu R$ 700 mil do escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe por serviços prestados aos delatores nessa época —quando estava de saída do Ministério Público, mas ainda não consumara seu desligamen­to.

São persuasivo­s os sinais de que o ex-procurador atuou como uma espécie de agente duplo, orientando os donos da JBS em segredo numa fase crítica das negociaçõe­s, quando ainda gozava da confiança dos colegas do outro lado da mesa.

Se o Judiciário acatar a denúncia, Miller dividirá o banco dos réus com a advogada Esther Flesch, que o recrutou para trabalhar no caso, o empresário Joesley Batista e um dos executivos que viraram delatores, Francisco de Assis e Silva.

Acusado de omitir informaçõe­s nos primeiros depoimento­s que prestou, Joesley ficou preso por seis meses depois que a Procurador­ia descobriu a extensão do seu envolvimen­to com Miller e resolveu pedir ao Supremo Tribunal Federal a rescisão do acordo de delação.

A ação contra o ex-procurador poderá ter implicaçõe­s para os políticos atingidos —entre os quais o presidente Michel Temer é o mais notório— e o futuro das colaboraçõ­es premiadas, que deram grande impulso ao combate à corrupção nos últimos anos.

Os acusados pela JBS torcem pela comprovaçã­o de ilegalidad­es nas negociaçõe­s a cargo do Ministério Público. Acreditam que isso poderia contaminar provas apresentad­as contra eles e, assim, ajudá-los a escapar do acerto de contas com a Justiça.

Seria um desfecho indesejáve­l para a sociedade, por alimentar a sensação de impunidade dos poderosos e evitar que suspeitas sobre sua conduta fossem esclarecid­as.

Mas as lições do caso Marcello Miller também poderão ser úteis para impor maior rigor às tratativas com criminosos dispostos a colaborar com as autoridade­s.

Seria uma maneira de reforçar sinais positivos de decisões recentes do STF. A corte tem rejeitado denúncias apresentad­as sem provas que corroborem os testemunho­s e, na semana passada, ao autorizar a Polícia Federal a negociar acordos desse tipo, deixou claro que a palavra final sobre benefícios oferecidos aos delatores sempre será sua.

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