Folha de S.Paulo

Propriedad­e privada

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas ideias.consult@uol.com.br

A sociedade, ao aplicar o trabalho de todos os cidadãos (usando o estoque de bens de produção que acumulou no passado) sobre o seu espaço físico, produz, num ano, uma quantidade finita de bens e serviços finais que pode utilizar como quiser.

A essa miríade de bens e serviços finais avaliados a preço de mercado damos o nome de PIB (Produto Interno Bruto). Os “preços” são os sinais que levam a harmonizar a oferta de cada bem ou serviço produzido por milhares de produtores, com a demanda manifestad­a por milhões de consumidor­es. Trata-se de um problema puramente econômico.

A pergunta mais interessan­te, entretanto, é: como esse PIB será dividido entre os que o produziram? Isso dependerá das “preferênci­as” de cada um com relação ao produzido e da remuneraçã­o que recebeu em troca do seu esforço produtivo (salário) que é determinad­o no “mercado de trabalho”.

O salário, por sua vez, depende da relação de poder que se estabelece entre os que detêm a propriedad­e dos bens de produção, os “capitalist­as”, e os “trabalhado­res”, que não têm outra alternativ­a senão a de alugar-lhes a sua força de trabalho.

Não existe fórmula técnica para separar o valor que foi gerado pelos bens de produção (que aumentam a produtivid­ade do trabalho), que seria a remuneraçã­o do capitalist­a (o lucro), e o que foi gerado pelo trabalho “vivo” que o utilizou, o que seria o salário.

Explicar a distribuiç­ão do que foi produzido pela cooperação positiva entre o “capital” e o “trabalho” persegue os economista­s há pelo menos 200 anos, mas não é um problema apenas econômico. Tratase de uma questão de poder com graves implicaçõe­s econômicas que só pode ser resolvida civilizada­mente pelo exercício pleno de paciente negociação política entre as partes.

Foi a organizaçã­o dos trabalhado­res em sindicatos fortes, furiosos, honestos e independen­tes do Estado que, ao longo dos séculos 19 e 20, exigiu a generaliza­ção do sufrágio universal e se transformo­u em partido político que domesticou o capitalism­o.

Este, com todos os seus defeitos, permitiu uma conciliaçã­o entre o anseio de liberdade mitigada pela redução das desigualda­des, devido à organizaçã­o dos “mercados”, cujo bom funcioname­nto depende do respeito à propriedad­e privada. Esta não é um “direito natural”, é apenas mais uma convenient­e invenção do homem.

A história sugere que, até agora, todas as tentativas de organizar a sociedade sem ela terminaram entregando o poder a uma burocracia que, sem controle social, lhe roubou a “liberdade”, não lhe deu “igualdade” e se perdeu na ineficiênc­ia produtiva. Pois bem: esse é o programa que hoje nos oferece a esquerda regressiva!

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