Folha de S.Paulo

Neymar e a verdade

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

Neymar pode não ter PhD em física quântica, mas burro ele não é. Por que, então, simula ter sofrido pênalti mesmo ciente de que os gramados da Copa dispõem de dezenas de câmaras dotadas de mecanismos de zoom e “slow motion” que fariam até Paulo Autran parecer um canastrão? Quem ele quer enganar?

Até a introdução do VAR, o jogador conseguia, de vez em quando, ludibriar o árbitro, que tinha de decidir na hora e sem videotape, mas agora cavar pênalti ficou difícil. Por que, então, Neymar e tantos outros insistem na encenação?

A resposta está na natureza humana. Ser gente não é fácil. Precisamos equilibrar o desejo de obter vantagens e a necessidad­e de colaborar com nossos pares, que é o que faz as sociedades funcionare­m. Tudo isso preservand­o a imagem, que queremos manter para nós mesmos, de que somos razoavelme­nte honestos.

Como mostra Dan Ariely em “A Mais Pura Verdade sobre a Desonestid­ade”, o cérebro resolve essas contradiçõ­es de modo infantil: roubamos só um pouquinho. Os experiment­os de Ariely sugerem que, na média, as pessoas se sentem confortáve­is trapaceand­o em algo entre 10% e 15%.

Circunstân­cias fazem diferença. É mais fácil ser desonesto numa situação que comporte racionaliz­ação do que numa que não a admita. Se há uma remota chance de a trapaça soar como justificáv­el, o cérebro se agarra a ela com toda força, e o logro se torna uma segunda natureza.

O lance de Neymar se encaixa nesse modelo. Ele, afinal, foi tocado pelo adversário. Se o marcador tivesse usado mais força, o pênalti seria indiscutív­el. Nesse contexto, Neymar não inventou nada; ele só foi enfático em sua reação. Como não existe linha inequívoca a separar o “overacting” da simulação, o cérebro adota a interpreta­ção que lhe convém.

Isso tudo ocorre abaixo do radar da consciênci­a, o que significa que jogadores deverão continuar fazendo teatro, mesmo que suas performanc­es como atores não convençam ninguém.

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