Folha de S.Paulo

Supremo à deriva

- Bruno Boghossian

O Supremo está à deriva e sua tripulação ficou amotinada em dois grupos rivais. A disputa interna no tribunal se tornou uma guerra de manobras que desobedece­m às próprias práticas e entendimen­tos da corte —e não levam a lugar algum.

Ao decidir soltar o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro do PP João Cláudio Genu, nesta terça-feira (26), a Segunda Turma do STF aplicou um desses improvisos.

Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowsk­i driblaram o entendimen­to do próprio Supremo que permite a prisão condenados em segunda instância. Os ministros decidiram que Dirceu e Genu podem ficar em liberdade enquanto correm seus recursos a outros tribunais.

Para o STF, essas apelações não deveriam suspender os efeitos da condenação, mas o trio inventou essa brecha para dar um contragolp­e no estratagem­a armado pela presidente da corte, Cármen Lúcia. Ela bloqueou da pauta do plenário um conjunto de ações que poderiam reverter a execução antecipada de penas.

Lewandowsk­i resumiu a questão. Disse que, enquanto esses casos não forem julgados em definitivo, cada ministro poderá decidir como quiser.

Era uma lógica feita sob medida para uma reclamação do ex-presidente Lula, que seria julgada na mesma sessão. O petista só não foi solto porque Edson Fachin fez sua própria gambiarra: em vez de levar o caso para apreciação na Segunda Turma (onde seria derrotado), enviou-o ao plenário (onde já houve maioria apertada para manter Lula preso).

Sem o petista na pauta, os ministros aplicaram outra artimanha. Correram para julgar casos polêmicos antes que a balança de poderes da Segunda Turma mude. Em setembro, Toffoli se torna presidente do STF e Cármen, considerad­a mais severa, assume seu lugar no colegiado.

O Supremo nunca foi perfeitame­nte harmônico, mas o caos se instala quando cada ministro resolve aplicar artifícios questionáv­eis para produzir os resultados que deseja. O transatlân­tico se move em círculos. É impossível saber que rota seguirá.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil