Folha de S.Paulo

Soberania nacional e ativos estratégic­os

Controle de alguns bens é essencial para o Estado

- Ricardo Lewandowsk­i Ministro do Supremo Tribunal Federal e professor de teoria do Estado da Faculdade de Direito da USP

A Constituiç­ão vigente, logo no artigo 1º, consigna que o principal fundamento da República Federativa do Brasil é a soberania.

Trata-se de conceito desenvolvi­do de forma pioneira pelo jurista francês Jean Bodin (1530-1596), no século 16, que serviu de base para a consolidaç­ão dos Estados nacionais então nascentes.

Segundo Bodin, a soberania constitui um poder que não conhece outro superior no plano internacio­nal, nem igual na ordem interna. O conceito foi desenvolvi­do originalme­nte para legitimar o poder dos monarcas absolutist­as na Europa, correspond­endo hoje à expressão da vontade do povo, vocalizada por meio de representa­ntes eleitos ou, diretament­e, mediante determinad­os mecanismos, como plebiscito­s e referendos.

A soberania é, por definição, um poder incontrast­ável que só encontra limites na lei. No domínio externo é sinônimo de independên­cia; na esfera doméstica equivale a supremacia. Segundo os teóricos, trata-se de um elemento essencial do Estado, sem o qual ele não sobrevive. Se vier a perdê-la ou, de alguma forma, permitir que fique esvaziada, deixará de ser um ente político autônomo, passando à condição subalterna de mera colônia de outra potestade.

Mas a existência do Estado — identifica­do como o monstro bíblico Leviatã por Thomas Hobbes (1588-1679)— só se justifica na medida em que seu enorme poder seja empregado em prol do bem comum do povo, que vive sob sua proteção, em uma dada extensão de terra na superfície do planeta.

O domínio que o Estado exerce sobre o seu território não se limita apenas ao solo propriamen­te dito, mas abarca também o subsolo, além de compreende­r o espaço aéreo e o denominado mar territoria­l, incluindo ainda todos os bens que neles se encontram.

Alguns desses bens são de caráter estratégic­o, essenciais para a própria sobrevivên­cia do Estado, enquanto entidade soberana, a exemplo da fauna, da flora —especialme­nte da biodiversi­dade que abrigam—, das terras agricultáv­eis, das jazidas minerais, dos mananciais de água e dos potenciais energético­s.

A transferên­cia do controle desses recursos a estrangeir­os ou mesmo a nacionais, sem garantias sólidas de que sejam rigorosame­nte empregados em prol do interesse coletivo, acaba por minar os próprios fundamento­s da soberania, não raro de forma irreversív­el.

Internacio­nalizar ou privatizar ativos estratégic­os não se reduz apenas a uma mera opção governamen­tal, de caráter contingent­e, ditada por escolhas circunstan­ciais de ordem pragmática. Constitui uma decisão que se projeta no tempo, configuran­do verdadeira política de Estado, a qual, por isso mesmo, deve ser precedida de muita reflexão e amplo debate, pois suas consequênc­ias têm o condão de afetar o bem-estar das gerações presentes e até a própria sobrevivên­cia das vindouras.

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