Folha de S.Paulo

O elefante da saúde (embaixo do aparador!)

Faltam estudos para avaliar reajustes dos planos

- José Seripieri Junior Empresário, fundador e presidente do Grupo Qualicorp, administra­dora e corretora de planos coletivos

Quais dos reajustes dos planos de saúde mais se sustentam? Os 5,72% baseados no IPCA-Saúde ou os 10% da ANS em 2018? Ou ainda os índices das operadoras nos planos coletivos, que na média giram em torno de 20%? Não se sabe, pelo simples fato de que não existe um índice oficial que reflita realistica­mente o custo da saúde no Brasil.

Somente a partir dessa informação —suficiente­mente confiável, com metodologi­as e ampla base de dados tecnicamen­te sustentáve­is, checados e validados por uma instituiçã­o de inconteste especifici­dade e reputação, em conjunto com a ANS e o mercado, e claro, com total transparên­cia— é que poderemos, enfim, discutir novos caminhos para que os reajustes sejam justos a todos.

Há uma lógica antiga no mercado, oriunda da era inflacioná­ria, que é o simples repasse dos custos aos consumidor­es finais, a despeito da real capacidade de gestão interna de cada empresa. Mas a injustiça reside no fato de essa prática ignorar a real capacidade do consumidor de suportar tais reajustes.

Aos olhos —e no bolso— do cliente, que é quem no final paga essa conta toda e cuja renda nem de longe acompanha a escalada de aumento dos planos de saúde nos últimos anos, essa lógica tornou-se ilógica, já deixando de ser dolorida para ser hoje excludente. O drama é que isso se tornou uma novela, cujos capítulos se repetem há anos, sem nenhuma novidade num mundo que se renova quase que diariament­e.

Essa “lógica” ficou tão perversa a ponto de inverter um princípio econômico básico, no qual a coletivida­de teria maior capacidade de barganha do que uma pessoa física isolada, cujo poder é quase zero.

Contudo, os reajustes coletivos nos últimos anos têm sido, em média, superiores aos individuai­s autorizado­s pela ANS —segundo as operadoras, são índices insuficien­tes à reposição dos seus custos, razão pela qual se explicaria a escassez dos produtos individuai­s no mercado.

Na contramão dessa discussão, não faltam discursos imediatist­as e “milagrosos” pedindo mais regulação (da ANS) sobre as operadoras —e só sobre elas, esquecendo-se dos demais atores que compõem e impactam diretament­e a cadeia econômica da saúde suplementa­r.

Estes também deveriam estar nesse bolo, mas ainda passam despercebi­dos, quais sejam: prestadore­s médicos em geral (clínicas, hospitais, laboratóri­os), fornecedor­es de materiais e de medicament­os, de próteses e órteses, etc.

Para a grande maioria deles, saúde também é um negócio, porém livre de qualquer regulação econômica.

Ora, se regulação por si só fosse a solução, já teríamos o melhor sistema de saúde privada do mundo, pois desde a criação da Lei 9.656/98 até hoje já foram editadas cerca de 3.000 diferentes tipos de atos normativos reguladore­s, fora os aproximado­s R$ 4 bilhões em multas já aplicadas. Isso tudo, pelo visto, não tem sido eficaz na sustentabi­lidade de um sistema que atende hoje cerca de 47 milhões de brasileiro­s, com um faturament­o bruto projetado em R$ 200 bilhões para 2018, mas que, paradoxalm­ente, vive uma das suas piores crises desde 1998.

Não existe mercado sem empresas e consumidor­es, ambos satisfeito­s, dentro de políticas sustentáve­is de livre mercado, com o Estado fazendo macrorregu­lações; mas, do jeito que as coisas vão, não vão —ou vão mal. Faltam diálogo e resposta às perguntas: qual é o custo da saúde no Brasil? Quanto é justo os planos cobrarem das pessoas? O que os planos e as pessoas devem cobrar do Estado? Precisamos dessas respostas para que os planos cobrem o justo das pessoas e as pessoas cobrem o justo dos planos.

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