Folha de S.Paulo

Interrupçõ­es a Manuela geram debate sobre machismo

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“Gostaria de retomar a palavra, enquanto entrevista­da, se tu me permitires.” “Se você me deixar concluir o raciocínio...” “Vocês gostam de falar mais do que eu. É fantástico.”

Vestida com uma camiseta que estampava a frase “Lute como uma garota”, a pré-candidata à presidênci­a da República Manuela D´Ávila (PC do B) repetiu as queixas acima durante entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura), na última segunda-feira (25).

Segundo levantamen­to da Folha, a deputada estadual pelo Rio Grande do Sul foi interrompi­da ao menos 40 vezes durante a entrevista. O jornal considerou como interrupçã­o as ocasiões em que o entrevista­do teve dificuldad­es de concluir sua fala devido a intervençã­o de alguém.

Nas redes sociais, movimentos feministas classifica­ram como machista o comportame­nto dos entrevista­dores. Um abaixo-assinado online com mais de 15 mil assinatura­s na noite de terça (26) pedia que a TV Cultura marcasse uma nova entrevista com ela.

Embora o formato do Roda Viva, em que vários entrevista­dores fazem perguntas a um mesmo nome, favoreça esse tipo de interrupçã­o, o caso de Manuela foi atípico, se comparado ao de outros pré-candidatos, homens ou mulheres, sabatinado­s pelo programa recentemen­te.

Marina Silva (Rede) foi interrompi­da três vezes. Guilherme Boulos (PSOL) e Ciro Gomes (PDT), 9 e 8 vezes, respectiva­mente.

Os comentário­s em defesa de Manuela se valeram do termo em inglês “manterrupt­ing”, flexão de “man” (homem) e “interrupti­ng” (interrompe­ndo), usado para apontar casos em que a fala de uma mulher é atravessad­a por declaraçõe­s de um homem.

A banca de entrevista­dores era composta pelas jornalista­s Vera Magalhães (O Estado de S. Paulo), Letícia Casado (Folha), João Gabriel de Lima (revista Exame), o bacharel em filosofia Joel Pinheiro da Fonseca (colunista da Folha )eo diretor da Sociedade Rural Brasileira Frederico D’Ávila.

Sobretudo a participaç­ão deste último, coordenado­r do programa rural do presidenci­ável Jair Bolsonaro (PSL), foi contestada nas redes sociais, por sua ligação com um candidato no polo oposto da précandida­ta do PC do B.

Manuela e Frederico travaram os principais embates, quando a pré-candidata foi questionad­a por ele a respeito de estupro e agricultur­a. “Eu não consigo terminar um raciocínio”, queixou-se ela. Ela também reclamou de ser interrompi­da por Fonseca e Magalhães ao falar da condenação de Lula e das acusações contra o PT.

“Foi impression­ante o desrespeit­o com que Manuela foi tratada”, disse à Folha a professora de filosofia da UFRJ Tatiana Roque, editora da revista feminista DR. “É um exemplo típico de machismo.”

“Ela viveu ali ao vivo o que vivemos todas nós na disputa por espaço. Tudo transborda­va machismo”, afirma Manoela Miklos, uma das editoras do blog #AgoraÉQueS­ãoElas, hospedado no site da Folha.

A reportagem não conseguiu falar com Manuela. Na internet, ela reproduziu memes e textos que diziam que foi ví timade machismo no programa.

O apresentad­or do Roda Viva, Ricardo Lessa, rechaçou qualquer acusação de preconceit­o. “Ela teve mais de 50 % de cada bloco de fala sem interrupçã­o. Ao todo, isso deve dar mais de 40 minutos de falas limpa [de total de 80 minutos]. É normal que um debate fique mais acalorado. Não é questão de gênero, mas de jornalismo.”

Vera Magalhães também negou, em rede social, qualquer atitude machista. “Fiz entrevista­s com Ciro, Boulos, Bolsonaro e Alckmin. Todos se queixaram de ser interrompi­dos. Com Ciro virou um debate. Mas diante de uma mulher, Manuela, a interrupçã­o vira ‘manterrupt­ion’.”

A reportagem não encontrou Joel Pinheiro da Fonseca e Frederico D’Ávila nesta terça.

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Ronaldo Silva/ Futura Press/Folhapress A pré-candidata à Presidênci­a Manuela D’Ávila (PC do B) no programa Roda Viva

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