Folha de S.Paulo

Eleição põe em jogo rumo de ‘milagre mexicano’

- Sylvia Colombo

Líder nas pesquisas, López Obrador defende presença maior do Estado na economia, que não decolou com reformas atuais

Os mexicanos vão às urnas no domingo (1º) não só para escolher o novo presidente, mas para apostar num modelo econômico diferente ou insistir no já iniciado pelo atual mandatário, Enrique Peña Nieto (PRI).

Tanto o segundo colocado nas pesquisas, o candidato da coalizão de centro Mexico Al Frente, Ricardo Anaya (27%), como o terceiro, o governista José Antonio Meade (20,4%), são defensores do livre mercado e, em diferentes medidas, apoiam as reformas iniciadas por Peña Nieto em 2012.

Já o favorito ao pleito, Andrés Manuel López Obrador (49,6%), propõe uma mudança radical, que vem entusiasma­ndo eleitores no sul empobrecid­o e as classes médias urbanas. Porém, vem assustando o empresaria­do, que tem tentado, em vão, organizar reuniões com AMLO (como é chamado), por considerar suas posições muito radicais.

López Obrador defende uma maior presença do Estado, estatizar o que foi privatizad­o e aumentar o gasto social com subsídios e programas de assistênci­a —financiand­o tudo isso com o corte de benefícios a ex-presidente­s e o aumento do impostos dos mais ricos.

Em vez de renegociar o Nafta (acordo de livre-comércio com Canadá e EUA), como está fazendo Peña Nieto, AMLO propõe sair do acordo e produzir bens de consumo “por mexicanos para mexicanos”.

“Em muitos aspectos, AMLO e Donald Trump parecem ser dois lados da mesma moeda”, diz à Folha o analista Javier Corrales, do Amherst College.

AMLO crê também que é possível diminuir as diferenças entre o norte mais rico e o sul mais pobre propondo subsídios estatais à produção agrícola e cobrando impostos mais altos à comida industrial­izada vendida a preços muito reduzidos por empresas dos EUA no sul do México.

Também diz que vai incentivar o uso de instrument­os manuais em troca da importação de máquinas para a indústria. Com isso, teria mais recursos para financiar o aumento de pensões e aposentado­rias, além de baratear os custos de transporte, eletricida­de e outros serviços.

São propostas que convencem as camadas mais pobres e também levaram ao apoio de vários sindicatos, como os de metalúrgic­os, trabalhado­res agrários e professore­s.

A decepção com o governo de Peña Nieto, com 21% de aprovação, tem facilitado a penetração da mensagem de AMLO. Este cenário, porém, era difícil de imaginar há seis anos, quando Peña Nieto era, interna e externamen­te, a imagem do líder que modernizar­ia o México.

Quando iniciou seu governo, o país parecia entrar numa nova fase de modernizaç­ão, após aprovar 11 reformas, entre elas a tributária, a trabalhist­a e a privatizaç­ão de parte da Pemex (a Petrobras local).

Peña Nieto chegou ao poder em um momento em que a economia mexicana vinha perdendo força por causa da baixa do preço do petróleo e do aumento da violência.

Aos poucos, suas reformas começaram a melhorar o desempenho da economia, que cresceu em média 2,4% anuais.

Houve investimen­to em oleodutos, estradas e a criação de um polo industrial no centro do país que trouxe diversas empresas estrangeir­as e transformo­u o país no quarto maior exportador mundial de veículos.

“As regiões do norte do México e do sul dos EUA conheceram um desenvolvi­mento sem igual nos últimos tempos”, diz Corrales.

Havia a promessa de que o cresciment­o chegaria a 4%, no que já se propagande­ava como “milagre mexicano”.

Porém, da metade de seu mandato em diante, a aliança parlamenta­r que permitia que as reformas fossem adiante começou a ruir.

Os números da violência aumentaram, a ponto de 2017 ter sido o recordista em homicídios da história recente: 25,3 homicídios por 100 mil habitantes, ante 30,3 no Brasil.

O fato de a pobreza praticamen­te não ter baixado (43,6% do país estava nessa faixa) nem o trabalho informal (27% trabalham sem carteira) gerou muita insatisfaç­ão.

A isso, acrescente-se o caso dos estudantes desapareci­dos de Ayotzinapa, em 2014, os escândalos de corrupção de membros da alta cúpula e os terremotos de 2017, que desacelera­ram a economia por alguns meses.

A chegada de Trump ao poder, por ora, não causou grandes alterações na macroecono­mia, principalm­ente porque o risco de perder o Nafta foi driblado, e os três países (México, Canadá e EUA) devem apresentar em breve uma nova versão do tratado. Ainda assim, o clima de incertezas quanto ao que resultará da negociação ainda existe.

Ainda que o risco de Trump rasgar o Nafta pareça ter sido tirado de cena, agora surge a possibilid­ade de AMLO fazer o mesmo, gerando grande incerteza nos mercados nacional e internacio­nal.

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