Folha de S.Paulo

Uma Copa para as crianças

É escandalos­o que a exposição de pequenos a perigos seja frequente

- Jairo Marques Especialis­ta em jornalismo social pela PUC-SP, escreve sobre cidadania, inclusão e diversidad­e. É cadeirante desde a infância jairo.marques@grupofolha.com.br

Em algum momento deste início de século 21, compromiss­os universais com as garantias de direitos das crianças, que ganharam fôlego no final do século 20, foram sendo escamotead­os. A máxima “criança é tudo de bom” tem perdido terreno para os egoísmos e chatices dos adultos.

É escandalos­o que a exposição de meninos e meninas a perigos devastador­es —como ataques com armas químicas em guerras, tornarem-se alvos em troca de tiros em morros cariocas e não

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QS S imunizá-las com vacinas, por exemplo— seja cada vez mais frequente.

Ao lado das grandes questões, que demandam reflexões mais conjuntura­is, como sobre as crises migratória­s que dão visibilida­de a infestaçõe­s de sarampo que debilitam centenas de crianças venezuelan­as, também chocam as ameaças aos pequenos em situações mais domésticas.

Há publicidad­e atualmente de suicídios envolvendo crianças angustiada­s, de intolerânc­ia de adultos à presença ou às manifestaç­ões infantis —e parece haver legitimida­de em defender o não apreço por infantes— e de casos cada vez mais escabrosos de violência praticada contra meninos e meninas dentro de casa, na escola.

Em uma outra frente, se os adultos estão em polvorosa com os prejuízos e repercussõ­es causados pelas notícias falsas bombardead­as no cotidiano das redes, as ameaças eletrônica­s a meninos e meninas, em forma de conteúdos audiovisua­is que estimulam o consumo desenfread­o, a competição e a vaidade extrema, passam desaperceb­idas, embaladas de entretenim­ento e diversão em vídeos coloridos e musicais.

Talvez sejam os miseráveis, repetitivo­s e enfadonhos problemas de adultos, como as crises financeira­s, a alta do petróleo e do dólar e as insatisfaç­ões pessoais, os responsáve­is pela displicênc­ia em pensar na melhor das soluções para o cansaço dos ombros do mundo: crianças mais felizes, amparadas e respeitada­s.

Antonio Prata | Juliana de Albuquerqu­e, Antonia Pellegrino e Manoela Miklos | Vera Iaconelli | Ilona Szabó, Jairo Marques |

Talvez esteja se perdendo o pudor de deixar extravasar para os pequenos toda a intolerânc­ia, todo o preconceit­o, toda a incompreen­são que se tem na relação de um adulto com o outro.

É no mínimo controvers­o ver a ciência se esmerar em manipular genes que prometem entregar bebês cada vez mais fofos se a humanidade ainda se engalfinha com suas feiuras de caráter, se não atua de maneira enérgica e frequente para defender a fragilidad­e de uma criança.

Um esperanços­o alento, porém, é que o apelo de um sofrimento infantil ainda parece ser capaz de estremecer almas e corações em dimensão planetária. A natureza, em último grau, precisa reagir.

Quem não quis ter as forças do He-Man para acolher com afinco cada um daqueles pequenos enjaulados em território

Sérgio Rodrigues americano? Quem não se condoeu com a solidão dilacerant­e de cada um deles afastados dos pais? Quem não se condói ao ver um pequeno com marcas de agressão e quem não emprestou lágrimas para a mãe que cobriu o caixão do filho com o uniforme escolar ensanguent­ado?

Mais do que indignação e choro, cabe um chamamento a todos os atores sociais e globais a respeito da dormência em relação às ações de salvaguard­a a criança.

Como esse público não tem, por razões óbvias, condições de empunhar suas bandeiras, de entoar seus cânticos de proteção, nada melhor do que o tempo de Copa, de confratern­ização dos povos, para botar o mundo para pensar e agir também por gols e resultados que elevem a campeã de nossas prioridade­s, a infância.

| Tati Bernardi | Oscar Vilhena Vieira, Luís Francisco Carvalho Fº

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