Folha de S.Paulo

Fundo para proteger Amazônia faz 10 anos em meio a elogios e ressalvas

Maior financiado­ra, Noruega faz balanço positivo, mas ONGs criticam uso da verba para o Ibama

- Fabiano Maisonnave O repórter Fabiano Maisonnave viajou a convite da Norad (Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvi­mento)

Em meio a um raro dia quente na Escandináv­ia, norueguese­s, brasileiro­s e alemães se reuniram nesta terça-feira (26) em Oslo para debater os dez anos do Fundo Amazônia, o maior projeto de cooperação internacio­nal para preservar a floresta amazônica.

Um balanço positivo predominou na fala dos participan­tes, que incluiu os ministros do Meio Ambiente do Brasil, Edson Duarte, e da Noruega, Ola Elvestuen, principal representa­nte do país responsáve­l por 93,3% dos R$ 3,1 bilhões do fundo, gerido pelo BNDES. As ONGs ambientali­stas presentes, porém, criticaram o uso da verba para cobrir cortes no Ibama.

“Tem sido definitiva­mente um sucesso”, disse Elvestuen à Folha. “Vem funcionand­o bem na Amazônia e também é um modelo para trabalhar em outros países.”

Ao contrário da visita de Michel Temer há cerca de um ano, quando o governo brasileiro recebeu duras críticas por sua política ambiental, o tom do governo norueguês desta vez foi elogioso.

O principal motivo da mudança de humor foi a redução de 12% no desmatamen­to em 2017, principal indicador do fundo.

No ano anterior, o desflorest­amento havia dado um salto de 29%, acendendo o sinal amarelo na Noruega sobre a eficiência da ajuda ao Brasil.

Foi por isso que, no ano passado, às vésperas da visita de Temer, o então ministro do Clima e Meio Ambiente norueguês, Vidar Helgesen, enviou carta ao governo bra- OQUEÉO FUNDO Instrument­o de captações criado em 2008 pra financiar ações de prevenção e combate ao desmatamen­to. É administra­do por um comitê formado por governos federal e estaduais e sociedade civil; BNDES faz a gestão dos recursos sileiro na qual demonstrav­a preocupaçã­o com propostas como a implantaçã­o de regras mais frouxas de licenciame­nto ambiental e a redução na proteção de unidades de conservaçã­o.

Em tom duro raro na linguagem diplomátic­a, o ministro afirmou que “aparenta ser falsa” a dicotomia do debate brasileiro que opõe preservaçã­o ambiental ao desenvolvi­mento econômico.

“O Brasil demonstrou na última década que não é necessário haver uma dicotomia entre expandir a produtivid­ade agrícola e a proteção das florestas. E ainda que seja compreensí­vel a pressão pela execução mais eficiente de investimen­tos em infraestru­tura, tampouco precisa ocorrer à custa de normas ambientais”, escreveu na época.

Na época, o então ministro do Meio Ambiente brasileiro culpou o governo Dilma Rousseff pelo salto. “O desmatamen­to que ocorreu nos últimos três anos é fruto do governo passado. É fruto da falta de orçamento nos órgãos de fiscalizaç­ão”, disse. “Só Deus pode garantir a queda do desmatamen­to, mas posso garantir que todas as medidas para reduzir o desmatamen­to foram tomadas.”

Mas, desta vez, não faltaram recados por parte do governo norueguês.

O diretor da Iniciativa de Floresta e Clima (NICFI), Per Pharo, diz que é “um bom momento para pensar o que vai acontecer após 2020”, quando termina o acordo atual. Em seguida, defendeu fontes de financiame­nto do fundo “mais diversas e maiores”, incluindo do setor privado.

“Estamos determinad­os a ALGUNS PROJETOS EM ANDAMENTO

Ibama Ações de fiscalizaç­ão do bioma amazônico R$ 196,6 milhões*

Estado do Amazonas Apoio a atividades produtivas em 28 terras indígenas R$ 16,5 milhões

ONG Instituto Socioambie­ntal (ISA) Gestão de terras indígenas no Rio Negro (AM) e no Xingu (MT). R$ 11,7 milhões continuar como contribuid­ores confiáveis, mas estamos claramente entrando numa nova época, com novos desafios”, afirmou.

Entre os ambientali­stas os dez anos foram celebrados com ressalva. Convidada a falar no evento, a coordenado­ra do Instituto Socioambie­ntal (ISA) Adriana Ramos.

“O fundo avançou bastante, consegue reconhecer as populações locais como beneficiár­ias, mas teve uma estratégia de investir em projetos governamen­tais que canalizara­m muito recursos para ações que deveriam ser financiada­s pelo orçamento público”, diz Ramos.

Como exemplo, ela cita o dinheiro do fundo destinado à fiscalizaç­ão do Ibama desde 2016, a maneira encontrada para compensar seguidos cortes orçamentár­ios.

Com o dinheiro, o Ibama financiou o leasing de veículos e o aluguel de helicópter­os para fiscalizaç­ão, desembolsa­ndo 91% da alocação de R$ 56 milhões em um prazo de 12 meses, segundo o relatório de 2017 do Fundo Amazônia. Com isso, as ações na Amazônia aumentaram 250%.

“Não dá para o governo ficar numa situação de conforto, de deixar o fundo bancar o que não deveria bancar”, diz a representa­nte do ISA, que tem um projeto para formular planos de gestão territoria­l em terras indígenas nas regiões do Xingu (MT) e rio Negro (AM).

Na mesma linha, Tasso Azevedo, coordenado­r do MapBiomas na ONG Observatór­io do Clima e arquiteto do Fundo Amazônia, afirmou que o reforço no Ibama não deve ser uma solução permanen- te. “Temos de ter ideias mais arriscadas para investir para os próximo anos”, afirmou, arrancando aplausos dos presentes no evento.

“O Fundo Amazônia foi um mecanismo inovador e precisa estar sempre se renovando. Nos últimos anos houve uma aplicação de recursos para preencher a falta de recursos investimen­to público em atividades básicas como a fiscalizaç­ão do Ibama. Isso deve ser tratado como um investimen­to extraordin­ário, e o fundo deve se voltar à sua vocação de investimen­to em inovações sociais, ambientais e econômicas para promover a conservaçã­o e uso da floresta em pé”, disse ele.

À Folha, o ministro do Meio Ambiente do Brasil Edson Duarte afirmou que a ajuda do fundo foi fundamenta­l pra interrompe­r o cresciment­o do desmatamen­to em 2016. Segundo ele, o pior da crise orçamentár­ia já passou.

“Dinheiro, você recupera. Uma floresta destruída, não.”

O cálculo para a doação da Noruega é baseado em resultados —quanto mais redução no desmatamen­to, maior o valor da doação. Para chegar ao valor, o Ministério do Clima e Meio Ambiente do país escandinav­o utiliza um nível de referência de desmatamen­to em km2.

Por isso, houve redução de 58% do aporte norueguês em 2017 em comparação ao ano anterior por causa do salto no desmatamen­to na Amazônia.

Em 2016, o total repassado ao Brasil foi de 850 milhões de coroas norueguesa­s (R$ 397 milhões na cotação atual). De onde vem a verba para o fundo

A quantia destinada ao Fundo Amazônia é calculada a partir das taxas de desmatamen­to Doações recebidas pelo Fundo Amazônia em dez anos

Doadores

93,3% (R$ 2,9 bi) - Noruega

6,2% (R$ 192,7 mi) - Alemanha

0,5%

(R$ 16,1 mi) - Petrobras foi a redução do aporte norueguês em 2017 em comparação ao ano anterior é o número de projetos apoiados pelo Fundo Amazônia

R$ 1,6 bilhão

Recursos empenhados 46%

R$ 724,1 milhões Fiscalizaç­ão e monitorame­nto

26%

R$ 410,9 milhões Produção sustentáve­l

15%

R$ 235,2 milhões Ciência e inovação

13%

R$ 193,7 milhões Regulariza­ção fundiária

Desmatamen­to da Amazônia (em milhares de km2)

27,8

7,5

-11%

7,9

7

2004 2009 2016 2017

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