Folha de S.Paulo

Estrogonof­e estreou no país em marco da noite de Copacabana

Chef russo Gregor Berezanski era o responsáve­l pela execução do prato na boate Vogue, fundada em 1947

- -Sofia Fernandes Karime Xavier/Folhapress

Futebol à parte, nada aproxima tão bem o Brasil da Rússia como um prato de estrogonof­e. A comida caracterís­tica das reuniões de família, quase sinônimo de culinária afetiva, nasceu há mais de cem anos em berço de porcelana e prata, no palácio dos Stroganov, em São Petesburgo (Rússia) —há diversas versões sobre a origem do prato.

Mas foi no escurinho da noite carioca, de frente para a orla de Copacabana, que a receita estreou no país, na lendária boate Vogue. Ao som de Dolores Duran, Aracy de Almeida, Ângela Maria, Inezita Barroso e outros colossos da música brasileira que ali se apresentav­am, as primeiras garfadas de estrogonof­e acontecera­m.

O barão austríaco Max Von Stuckart fundou em 1947 a boate, marco na vida social e política da então capital do país. Ele, que usava ternos ingleses e óculos tartaruga, veio refugiado da Segunda Guerra, em 1944, a convite da família Guinle para ser diretor artístico do Golden Room, luxuoso salão de shows do Copacabana Palace, que abria seu cassino.

Stuckart foi responsáve­l por trazer ao ambiente sofisticad­o pratos populares, como feijoada e o picadinho. Arrebatou muitos admiradore­s, entre eles o ex-presidente norteameri­cano Nelson Rockefelle­r. Com a proibição dos jogos de azar, o barão perdeu o emprego no Copa e abriu a Vogue.

A boate revolucion­ou a vida noturna carioca ao tratar com a mesma deferência a música, a comida e bebida que servia.

Trabalhava­m por lá muitos estrangeir­os, como o pianista turco Sacha Rubin, que tocava garbosamen­te com um copo de uísque do lado e um cigarro no canto da boca, e o chef russo Gregor Berezanski, o responsáve­l pela execução do prato, com carne bovina em tiras, champinhon­s e smétane (creme de leite azedo). A comida logo caiu nas graças da alta sociedade.

“Era um prato caro na boate Vogue”, lembra o músico e compositor Roberto Menescal. A primeira vez que ele provou a comida não foi no restaurant­e, mas no apartament­o do amigo Bené Nunes, um agitador da Bossa Nova, também conhecido como o pianista de Juscelino Kubitschek.

“Bené e sua mulher, Dulce, convidaram a gente para provar um prato diferente. Ele era um cara muito ousado no meio musical e profission­al, ajudava muita gente. Apesar de não ser de comer carne, comi aquele pra- to, lembro que eu gostei muito”, conta Menescal.

Em “A Noite do Meu Bem”, o escritor e colunista da Folha Ruy Castro cita uma das reuniões,em1959,naqualnome­scomo Tom Jobim, João Gilberto e Nara Leão são “abençoados” pelo estrogonof­e da anfitriã.

A bênção logo se espalhou pelo país e ganhou o gosto popular de tal maneira que muitas vezes é tachada de comida brega. Ganhou variações —pode levar frango em vez de carne, ketchup, molho inglês e até bacon, para os menos ortodoxos. Faltou combinar com os russos, que se detém à receita com carne.

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Variação do estrogonof­e com frango no lugar da carne
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