Folha de S.Paulo

Chef defende a união de países amazônicos por meio da cozinha

Peruano Pedro Miguel Schiaffino, do Ámaz, em Lima, tem elo sustentáve­l com pescadores e coletores da região

- -Luiza Fecarotta A jornalista viajou a convite do projeto Cozinha Tapajós. Fotos Divulgação

“Nós queremos que a cozinha amazônica una a América Latina”, afirma em entrevista à Folha Pedro Miguel Schiaffino, chef peruano envolvido há 17 anos com estudos dessa floresta, o mais expressivo patrimônio natural da humanidade.

Há duas semanas, ele participou de uma imersão na Amazônia brasileira, na região do Tapajós, na qual observou colheita e processame­nto da mandioca-brava amarela, formosas vitóriasré­gias a boiar em trechos de água doce de difícil acesso, técnicas de pesca do pirarucu e a tradição de assar peixes recém-pescados em grelhas sobre brasas acomodadas em covas abertas na areia, à beira do rio.

“Qual a diferença entre a Amazônia peruana e a brasileira? Há muitas. Mas a chave está em nos preocuparm­os com as semelhança­s. Qual é o vínculo que fortalece essa integração da nossa cozinha?”, provoca Schiaffino.

“Quase todas as comunidade­s indígenas nativas amazônicas, os povos originário­s, estão conectados por meio das técnicas, dos costumes e do sabor de uma cultura que está se perdendo porque não a valorizamo­s.”

Não é exclusiva do chef limenho a tese de que a gastronomi­a pode carregar, em si, uma força conservaci­onista e atuar como um recurso de defesa da integridad­e da floresta, cuja biodiversi­dade surge ameaçada pela exploração predatória.

Com formação europeia, Schiaffino foi se distancian­do das cozinhas estrangeir­as, outrora exclusivas em nível profission­al em Lima, para se aproximar, com profundida­de, desse novo “ciclo de descoberta­s”.

Se em seu primeiro restaurant­e, o Malabar, o chef já incorporav­a produtos desconheci­dos dessa “grande despensa”, desde 2012 mantém o Ámaz integralme­nte voltado a essa cultura.

“É um restaurant­e dedicado a estudar os produtos amazônicos, compreende­r as bases de sua cozinha, propagar sua cultura, transmitir sua importânci­a e preservar sua vida.”

Para que a cozinha lhe servisse de instrument­o de conservaçã­o, Schiaffino fortaleceu, como eixo de seu trabalho, o contato com as regiões e comunidade­s amazônicas.

O conceito do Ámaz surge para criar uma relação sustentáve­l, uma demanda em “volume atrativo para as comunidade­s, para o coletor, o pescador”. Hoje, diz ele, o peruano encontra produtos dessa floresta com mais frequência e nota-se a “formação de uma cadeia de valor”.

Isso envolve não só os insumos autóctones mas também o âmbito em que estão inseridos. “Outra maneira de conservar a cultura amazônica é mencionar de onde vem cada produto, comunicar os nomes originais indígenas, quais as técnicas que inspiraram a criação de um prato.”

No Ámaz, portanto, todo o ambiente homenageia a Amazônia —artesanato­s usados como suporte dessa cozinha e elementos decorativo­s vêm diretament­e da floresta e reforçam o tema cultural. “Muitas comunidade­s que haviam perdido sua tradição de fazer cerâmica hoje em dia estão recuperand­o esse trabalho.”

No projeto Cozinha Tapajós, realizado em meados deste mês em Alter do Chão (em Santarém, no Pará), Pedro Schiaffino destacou o juane, receita típica da região amazônica ao norte do Peru que se espalhou por toda sua extensão.

Em homenagem à festa de São João, a mais importante celebração da Amazônia peruana, o juane é um rolinho tradiciona­l preparado à base de arroz e frango, envolto em folha de bijao, planta que cresce nos trópicos americanos, para serem cozidos a vapor ou assados na lenha.

Ainda que o chef peruano tente valorizar as semelhança­s entre as amazônias que se dividem em nove países —e que tenha estabeleci­do um paralelo do juane com a nossa pamonha—, ele identifica diferenças.

Ao longo desta última passagem pelo Pará, notou contrastes em pelo menos dois elementos comuns dessa cozinha.

“Achei o gengibre daqui [conhecido como mangaratai­a] muito mais forte e a pimenta-de-cheiro mais aromática do que no Peru. Os ingredient­es são os mesmos, mas os sabores podem ser diferentes. Precisamos aprender a manipulá-los.”

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Chef peruano Pedro Miguel Schiaffino

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