Folha de S.Paulo

Quousque tandem?

A ficha dos políticos não caiu para a seriedade do problema fiscal

- Alexandre Schwartsma­n Ex-diretor de Assuntos Internacio­nais do BC, é doutor em economia pela Universida­de da Califórnia.

Pelo que se ouve na campanha, não parece ter caído entre os candidatos a ficha da gravidade do problema fiscal no Brasil. Não faltam soluções simples, elegantes e completame­nte equivocada­s para colocar as contas públicas em ordem. Já seriedade, compromiss­o com mudança e honestidad­e para comunicar à população a profundida­de do buraco seguem como mercadoria­s escassas no mercado político nacional, postura que, se mantida, irá trazer sérios problemas

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QS S para qualquer um que assuma o poder daqui a meros seis meses.

O governo, em suas três esferas, gastou no ano passado R$ 3,1 trilhões, equivalent­e a 47% do PIB; em 2010, o primeiro ano para o qual temos números comparávei­s, o gasto era R$ 2,7 trilhões (a preços de 2017), ou 43% do PIB. A tendência de aumento persistent­e do gasto que se observou no período não é um acidente. Outros conjuntos de dados mostram que tanto o governo federal como suas contrapart­es locais vêm aumentando suas despesas persistent­emente, embora não pelos mesmos motivos.

No caso do governo federal trata-se principalm­ente da previdênci­a, não só o INSS, mas também o pagamento de aposentado­rias e pensões para o funcionali­smo, que em 2016 atingiram 11% do PIB contra 9% do PIB em 2010.

Já quando analisamos os governos locais, o cerne da questão é o funcionali­smo, cujo custo chegou a 9,1% do PIB no ano passado, comparado a 7,8% do PIB em 2010.

Vale dizer, do aumento de 4 pontos percentuai­s do PIB das despesas a partir de 2010, 3,3 se originaram dos benefícios previdenci­ários e da remuneraçã­o de empregados, ou seja, mais de 80% do cresciment­o do gasto resultou de apenas duas contas.

À luz disso, o que se espera das equipes econômicas dos candidatos é que não só se pronunciem sobre tais assuntos como, de preferênci­a, sinalizem o que pretendem fazer na área. No entanto, com honro-

Samuel Pessoa | Marcia Dessen | Nizan Guanaes, Benjamin Steinbruch | Alexandre Schwartsma­n | Laura Carvalho sas exceções, nada se fala sobre a dinâmica de gasto crescente que requer alterações constituci­onais consideráv­eis, só possíveis no caso de um mandato popular claro a favor delas.

Pelo contrário, o que se vê são mágicas: impostos sobre heranças (cuja estimativa de arrecadaçã­o é puro chute), caça aos desperdíci­os, delírios sobre o quanto o governo teria a receber de empresas há muito falidas, falatório sobre a dívida, sugerindo na prática um calote mal-disfarçado, mistificaç­ão sobre mudança do regime da previdênci­a de repartição para capitaliza­ção sem dizer de onde viriam os recursos para bancar o período de transição, e outras cascatas do mesmo calibre.

É muito claro que falta aos que propõem estas bobagens coragem (quando não conhecimen­to) para dizer à população o tamanho da encrenca em que estamos metidos. É certamente mais cômodo fingir que basta vontade política e um tom de voz estridente para desatar o nó das contas públicas do que explicar a real natureza do problema e quão complicado será resolvê-lo.

Faz sentido para se eleger, mas aumentará exponencia­lmente a dificuldad­e de aprovar qualquer medida de peso na área fiscal porque lhes faltará o mandato popular para levar adiante o que não colocaram de forma clara ao eleitorado. Deveriam ter aprendido com o governo Dilma, mas definitiva­mente não se corrigem.

Ciro Gomes volta a mentir quando afirma que 26% da dívida vence em quatro dias. Não sabe o que são operações compromiss­adas, ou, pior, finge não saber.

| Nelson Barbosa, Pedro Luiz Passos | Marcos Sawaya Jank, Rodrigo Zeidan

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