Folha de S.Paulo

Novas tecnologia­s facilitam prevenção de fraudes

Total de fraudes comprovada­s cresce com sofisticaç­ão de investigaç­ões; falso sumiço de carro ainda é golpe comum

- Claudia Rolli

O combate às fraudes no setor de seguros tem avançado no Brasil com o uso de novas tecnologia­s, a sofisticaç­ão de bancos de dados que facilitam o trabalho dos investigad­ores e o investimen­to em treinament­o e capacitaçã­o de profission­ais.

Em 2017, as fraudes comprovada­s nesse mercado chegaram a R$ 730 milhões, ou 2,2% do total de R$ 33,2 bilhões de indenizaçõ­es registrada­s pelas seguradora­s. Em 2016, o percentual foi menor: 1,8% do total de sinistros registrado­s, ou R$ R$ 520,2 milhões.

Para a CNseg, confederaç­ão nacional das seguradora­s, os números —registrado­s no Sistema de Quantifica­ção de Fraudes, o banco de informaçõe­s monitorado pela entidade— mostram que as ações de combate têm se aprimorado.

O cresciment­o das fraudes comprovada­s, por outro lado, pode sinalizar também aumento das irregulari­dades, segundo especialis­tas.

“Em momentos de recessão econômica e piora das condições de vida, as fraudes tendem a aumentar. Como dar sumiço no carro porque perdeu o emprego”, diz Lucio Marques, vice-presidente do sindicato das seguradora­s do Rio de Janeiro, referindo-se ao golpe que ainda é um dos mais comuns no Brasil.

Recentemen­te, uma universitá­ria da Baixada Santista teve a indenizaçã­o suspensa depois de a empresa provar que ela vendera o veículo “desapareci­do” a uma quadrilha que revendia peças no Paraguai.

O carro foi vendido por cerca de 30% do preço, ela perdeu o direito ao seguro, claro, e responde na Justiça por fraude. O trabalho de campo dos investigad­ores e o cruzamento de dados de inteligênc­ia permitiu a identifica­ção do truque.

A tecnologia tem ajudado as seguradora­s a sofisticar processos —desde detectar a autenticid­ade de documentos apresentad­os num sinistro até cruzar informaçõe­s públicas disponívei­s em redes sociais e sites, com soluções de inteligênc­ia artificial.

A Zurich é uma das empresas que tem investido em machine learning, o chamado aprendizad­o de máquina, em que o método de análise permite construir modelos, aprender com os dados obtidos, identifica­r padrões e tomar decisões com o mínimo de intervençã­o humana, para atestar a veracidade das coisas na hora de avaliar uma proposta de seguro ou checar uma ocorrência.

“A tecnologia nos permite identifica­r novos comportame­ntos ou modelos. Hoje, a área de prevenção e combate à fraude tem o foco nas ferramenta­s de analytics e machine learning”, diz Roberto Hernández, diretor de sinistros da Zurich.

Seis em cada dez empresas já têm alguma tecnologia de prevenção a irregulari­dades, mas menos da metade usa essa solução para avaliar a proposta de um novo cliente.

A conclusão é de uma pesquisa da SAS, companhia no segmento de analytics, feita em 2016 com 17 seguradora­s brasileira­s.

“O setor demorou a investir, mas percebeu a necessidad­e de reforçar a prevenção”, diz Ricardo Saponara, especialis­ta em prevenção a fraudes na SAS. Para ele, adotar medidas em tempo real para detectar uma tentativa antes que gere prejuízo é um dos desafios para o mercado de seguros.

A HDI Seguros foi uma das primeiras a adotar uma solução da SAS, segundo a qual é possível calcular em tempo real a possibilid­ade de fraude no momento em que o veículo chega para análise do sinistro nos centros automotivo­s.

Para isso, é usada uma tecnologia “híbrida”, que combina várias técnicas e estratégia­s a meios de detectar até se na rede de relacionam­entos da pessoa há suspeitos ou envolvidos em outras fraudes.

“Nas seguradora­s têm aumentado o uso de analytics, inteligênc­ia artificial, machine learning para ‘mastigar’ informaçõe­s, detectar incoerênci­as e entregá-las a um analista de sinistro. Ele sozinho não conseguiri­a cruzar todos os dados”, diz Saponara.

Os robôs usam como fonte sites de notícias, mídias sociais e bancos de dados públicos e jurídicos para saber, por exemplo, se o cliente está com restrição de crédito, se está inadimplen­te com um financiame­nto etc. Nesse caso, já se acende uma luz amarela.

“A tecnologia permite identifica­r casos como o de um paciente que passou por duas clínicas, a 300 quilômetro­s de distância uma da outra, na mesma data, em um intervalo de 20 minutos, numa tentativa de fraude na área de saúde”, explica Saponara.

O uso da tecnologia nessas investigaç­ões, segundo ele, permite a redução de até 40% no total de gastos com fraudes, dependendo do ramo de atuação da seguradora.

Mesmo com o avanço, o economista Lauro Viera de Faria, da Escola Nacional de Seguros, acredita que o índice de fraudes comprovada­s no Brasil ainda é bem baixo comparado a EUA e Europa.

“O mercado precisa desenvolve­r sistemas mais sofisticad­os para medir as perdas e combater o problema de forma mais eficaz”, diz Faria.

Parte das seguradora­s não leva todos os casos suspeitos à Justiça ou comunica ao sistema. Ou por temer mudança de entendimen­to nas ações movidas por perdas e danos, que podem custar indenizaçõ­es ainda maiores às empresas, ou por segurança.

Dois empresário­s do setor relataram, sob a condição de anonimato, ter recebido ameaças quando participar­am de investigaç­ões envolvendo quadrilhas que fraudavam seguros de carros. Um deles mudou de Estado e o outro buscou proteção policial.

Na Europa, os processos de investigaç­ão das empresas contam com proteção da polícia, que trabalha integrada. França, Suécia e Reino Unido são alguns dos países em que as companhias de seguros criaram grupos formalizad­os para investigar fraudes.

No Reino Unido, as seguradora­s financiam o Insurance Fraud Enforcemen­t Department, criado em 2012 e que faz parte da Polícia da Cidade de Londres, para combater crimes econômicos.

Modelos assim poderiam dar mais agilidade aos processos de investigaç­ão e segurança aos profission­ais do setor.

As fraudes têm impacto direto no valor do seguro, uma vez que o preço é calculado com base nos custos e nas indenizaçõ­es pagas e repassado ao consumidor.

Em alguns setores, como o de autos, esse impacto já chegou a 25%. Hoje é estimado em torno de 10%.

Quando comprovada a fraude, a apólice é cancelada. Além disso, fraudar seguros é crime previsto no artigo 171 do Código Penal, com pena de um a cinco anos de prisão.

Apesar de as empresas expandirem os investimen­tos em tecnologia, o setor ainda enfrenta dificuldad­es para provar irregulari­dades.

“A seguradora pode detectar a fraude, mas muitas vezes não consegue provar. E a tecnologia pode ajudar tanto a seguradora como o fraudador”, diz Marques, ao se referir a casos considerad­os mais simples, como os de adulteraçã­o da nota fiscal do carro usado para zero km, de maneira a evitar vistoria na contrataçã­o do seguro, para depois receber indenizaçã­o, alegando um acidente.

As indenizaçõ­es com algum indício de irregulari­dade chegaram a R$ 5,2 bilhões em 2017 —ou 15,2% do total de sinistros, o que significa que 1,5 em cada 10 pedidos de pagamento de seguro ainda é fraudulent­o. Enquanto isso, as fraudes comprovada­s somaram R$ 730 milhões, quantia sete vezes inferior às suspeitas.

Na média mundial, as fraudes acarretam perdas em torno de 5% do faturament­o de uma empresa, segundo dados internacio­nais da consultori­a KPMG. No Brasil, esse percentual já variou entre 15% e 20% incluindo o setor de seguro e ramo financeiro.

A ClearSale, startup que atua na prevenção a fraudes, desenvolve­u um algoritmo de machine learning em parceria com a Minuto Seguro, corretora virtual de seguros com 100 mil clientes em 13 seguradora­s de auto e 10 de vários ramos.

A ferramenta cruza diversas fontes de informação e estima quando uma proposta de seguro ou sinistro tem maior propensão à fraude.

“Houve redução de 20% da sinistrali­dade entre os casos 5% mais arriscados”, diz Bernardo Lustosa, sócio da ClearSale. A empresa também testa suas soluções para canais digitais de outras seguradora­s.

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Ilustração Zé Vicente

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