Folha de S.Paulo

Em 2017, só 11% guardaram dinheiro para a velhice

Estudo do Banco Mundial mostra que Brasil avançou, mas ainda está atrás de países mais pobres em reservas para a aposentado­ria

- Ana Estela de Sousa Pinto Gabriel Cabral/Folhapress

são paulo Há dois anos, o estudante de publicidad­e Enzo Terra Silveira, 20, começou a economizar metade do salário que ganha no gerenciame­nto de marketing de uma franquia de hidromassa­gem.

Todos os meses, coloca 20% na poupança e 30% em um plano de previdênci­a privada, dinheiro em que não pretende mexer pelos próximos 30 anos.

Silveira é uma exceção: faz parte dos 6% de brasileiro­s entre 15 e 24 anos de idade que disseram ter guardado dinheiro para a velhice em 2017.

Consideran­do todas as faixas etárias, o índice no Brasil foi de 11%, o 101º pior entre 144 países, atrás de nações muito mais pobres, como Filipinas (26%), Bolívia (20%) e Mali (16%) e abaixo da média dos países em desenvolvi­mento (16%).

Os dados foram levantados pelo Banco Mundial, em pesquisa com 150 mil pessoas, das quais mil no Brasil.

A taxa brasileira é o triplo da registrada em 2014 (4%), mas a margem de erro põe em dúvida a evolução. Consideran­do 3,7 pontos percentuai­s para mais ou menos, o número de 2014 varia de praticamen­te zero a quase 8%, enquanto o de 2017 vai de 7% a quase 15%.

A fatia dos brasileiro­s que conseguira­m guardar algum dinheiro nos 12 meses anteriores à pesquisa, independen­temente do objetivo, mantevese no mesmo patamar. Eram 28% em 2014, agora são 32,5%.

O resultado, porém, melhorou a posição relativa do Brasil entre os países americanos. De último colocado em 2014, passou a 15º entre 19 países, à frente de Haiti, Venezuela, Paraguai e Argentina.

À primeira vista, pode parecer contraditó­rio que o número de poupadores não tenha caído durante a pior recessão da história brasileira. Mas a própria crise pode estar por trás do fenômeno.

“Se o emprego está em risco ou há muita incerteza sobre o futuro, aumenta a chamada poupança precaucion­ária”, diz o professor do Insper Ricardo Brito.

Especialis­ta em finanças e decisões de poupança, Brito diz que pode ter havido também efeito da discussão recente sobre reforma da Previdênci­a.

Em trabalho publicado em 2015, ele calcula que no Brasil é muito alta a chamada taxa de reposição da Previdênci­a: a maioria dos aposentado­s do país passa a ganhar o mesmo ou até mais do que recebia no trabalho.

A perspectiv­a de regras mais duras e valor menor do benefício poderia levar algumas pessoas a poupar. “O verdadeiro incentivo, porém, só virá se houver de fato uma reforma que reduza a taxa de reposição da Previdênci­a.”

A economista sênior do Banco Mundial Leora Klapper, coautora do relatório da pesquisa, também ressalva que não há informação sobre o valor poupado e que a tendência global foi de estagnação.

“A poupança para a velhice continua perturbado­ramente baixa no Brasil, principalm­ente levando em conta o nível de desenvolvi­mento econômico e financeiro do país.”

O problema é crítico porque a situação tende a se agravar no futuro, afirma o especialis- ta em previdênci­a José Roberto Affonso, professor do IDP e pesquisado­r do Ibre/FGV.

“Na era digital, parcela crescente dos que trabalham hoje não terá emprego com carteira assinada e previdênci­a social”, afirma ele.

Affonso cita pesquisa do Banco Central publicada em janeiro deste ano, segundo a qual só 1,9% da população investe em previdênci­a privada.

O economista defende políticas públicas que estimulem a formação de poupança previdenci­ária: “O governo precisa rever a política tributária e premiar quem poupa hoje para ter renda no futuro, como no resto do mundo”.

Aos 17 anos, o estudante de engenharia elétrica Ricardo Chapiro Lasmar Lira está longe da idade de aposentado­ria, mas já se preocupa com o risco de ela não ser suficiente.

Sua primeira caderneta de poupança foi aberta pelos pais, mas ele tomou para si a iniciativa de engordá-la com presentes e sobras de mesada. Hoje, reserva parte do que ganha com aulas particular­es e já faz planos de poupar a remuneraçã­o do estágio.

“Sei que a expectativ­a de vida está subindo; vou viver por mais anos. Tento manter minhas economias como uma reserva para imprevisto­s.”

O despreparo para emergência­s é outro dado preocupant­e da pesquisa do Banco Mundial.

O órgão perguntou às pessoas se achavam possível levantar, para fazer frente a um imprevisto, quantia equivalent­e a um vigésimo do PIB per capita —no Brasil, o valor correspond­e a R$ 1.400.

Mais da metade da população brasileira considerou impossível obter o dinheiro. É o 107º resultado no mundo.

É o mesmo mecanismo que dificulta decisões como fazer dieta (resistir ao doce hoje para estar mais magro só daqui a um mês) ou parar de fumar.

Trabalho do professor do Insper Ricardo Brito feito a partir de pesquisa Datafolha, no ano passado, mostrou que o grau de imediatism­o do brasileiro é muito mais alto que o da média dos países latinoamer­icanos.

Outro fator correlacio­nado à poupança é a educação financeira, área em que o Brasil também patina.

Estudantes brasileiro­s de 15 anos tiveram o pior desempenho em prova de conhecimen­tos financeiro­s no Pisa (exame global que mede a capacidade de raciocínio).

Mais da metade dos alunos ficou abaixo do nível básico, por não dominar a divisão.

Educação financeira também não é suficiente, afirma Guilherme Lichand, professor da Universida­de de Zurique e especialis­ta em economia comportame­ntal. Segundo ele, o efeito positivo de cursos de finanças pessoais desaparece com o tempo.

“Mas estudos mostram que benefícios de intervençõ­es mais longas perduram por mais tempo. Ou seja, além de informar, é preciso formar hábitos financeiro­s saudáveis.”

Lichand é presidente do conselho da MGov, empresa que desenvolve ferramenta­s de gestão de políticas públicas e de ações de impacto social. Uma delas, chamada Poupe+, foi testada com beneficiár­ios do Bolsa Família.

Durante 18 semanas, 7.000 pessoas receberam por SMS dica práticas, como a de separar dentro de envelopes, assim que receber o salário, o dinheiro para pagar contas de luz e água.

As mensagens também propunham anotar no papel os ganhos e gastos e evitar compras por impulso.

A análise de impacto (que compara estatistic­amente grupo que recebeu SMS com outro semelhante que não recebeu) ainda depende da liberação de dados pela Caixa Econômica Federal, mas 92% dos usuários consultado­s pediram para continuar recebendo SMS.

Em pesquisas qualitativ­as, participan­tes relataram melhor equilíbrio financeiro e capacidade de poupança.

“Não é uma bala de prata. Ainda há muito o que fazer em educação financeira no país. Mas são ações simples que já produzem muito avanço”, diz Rafael Vivolo, diretorexe­cutivo da MGov, que negocia a expansão do projeto para os clientes de baixa renda da Caixa.

“A poupança para a velhice continua perturbado­ramente baixa no Brasil, principalm­ente levando em conta o nível de desenvolvi­mento econômico e financeiro do país Leora Klapper economista sênior do Banco Mundial

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O estudante Enzo Silveira, 20, que tem previdênci­a privada

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