Folha de S.Paulo

Petrobras devia ter prazo para reajuste de combustíve­is

Presidente do Cade diz que medida serviria para enfrentar monopólio da Petrobras

- Alexandre de Souza

O presidente do Cade, órgão que fiscaliza a livre concorrênc­ia, afirma ser favorável a uma periodicid­ade do reajuste e que a medida poderia servir para enfrentar o monopólio da Petrobras.

brasília Alexandre Barreto, presidente do Cade (Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica), órgão que fiscaliza a livre concorrênc­ia, é a favor de que exista uma periodicid­ade para o reajuste dos combustíve­is pela Petrobras.

Para Barreto, isso não significa uma interferên­cia indevida na política de preços da estatal. Ele acredita que o Estado deve regular um mercado em que há monopólio.

“Se a Petrobras joga o preço para cima ou para baixo para inibir a importação, está agindo para afetar o competidor.”

A posição de Barreto está alinhada com o governo, que desde a crise dos caminhonei­ros tenta minimizar o impacto do repasse da cotação do petróleo aos preços.

O presidente do Cade disse ainda que a tabela de preço mínimo de frete tem o mesmo efeito de um cartel, mas não é crime, porque o governo tem o direito de estabelece­r “isenções antitruste”.

Cade e ANP montaram um grupo de trabalho para estudar o mercado de combustíve­is. Como garantir a concorrênc­ia nesse setor?

Como qualquer empresa, a Petrobras deve ter liberdade para definir sua política de preços. Por outro lado, cabe ao Estado assegurar condições para o melhor ambiente de concorrênc­ia possível.

Temos um monopólio de fato, dado que a Petrobras responde por 95% do refino de combustíve­is no Brasil. Nessas situações, é premente que o Estado interfira.

Como se trata de um monopólio, há uma interpelaç­ão entre Cade e ANP. Quem deve definir questões relativas a periodicid­ade de reajuste de preços? Justamente para evitar essa zona cinzenta, nos juntamos para analisar a situação e criar critérios para que a Petrobras aja, inclusive reajustand­o preços.

Mas qual é o melhor caminho: regular os preços praticados pela Petrobras ou criar mais concorrênc­ia no refino?

Insisto: não é regulação de preço, mas de atuação. O Estado não pode dizer para uma empresa praticar o preço x.

Mas é muito importante entender, por exemplo, a dinâmica de importação de combustíve­is e sua relevância para a formação de preço no mercado nacional. O único competidor que a Petrobras tem é a importação.

Se a Petrobras joga o preço para cima ou para baixo para inibir a importação, ela está agindo para afetar seu competidor. Sob esse prisma, o Estado pode estabelece­r uma periodicid­ade para reajuste do combustíve­l.

Os importador­es precisam de uma previsibil­idade mínima para competir.

As soluções, no entanto, não são excludente­s. As agências de governo também podem incentivar uma maior competição no refino no Brasil.

Quando vocês esperam concluir esse análise em conjunto com a ANP?

O grupo de trabalho tem três grandes eixos. Primeiro, estudar a estrutura do mercado e indicar medidas para mitigar ou corrigir o problema, como, por exemplo, periodicid­ade para o reajuste de preços da Petrobras.

Segundo, apresentar caminhos para que as medidas já propostas pelo Cade (autorizar as distribuid­oras a importar combustíve­is diretament­e, mudar regras tributária­s no setor, permitir venda de etanol direto para os postos etc) sejam implementa­das.

E, por último, avaliar se as medidas tomadas pela ANP no contexto da crise dos caminhonei­ros podem ser mantidas ou não. Esperamos até o fim de setembro já termos resultados.

Não é um tema muito polêmico para discutir às vésperas das eleições?

Algumas medidas poderiam ser determinad­as por medida provisória, outras envolvem o Congresso e outras são mais complexas, porque implicam alterações tributária­s nas 27 unidades da Federação.

O que pretendemo­s é implementa­r questões regulatóri­as e sinalizar para o governo e o Congresso as alterações legais necessária­s. A sugestão para o reajuste dos combustíve­is pode vir até antes, porque a ANP já tem uma consulta pública aberta sobre isso.

Em manifestaç­ão ao STF, o Cade avaliou que a tabela de preços mínimos de frete estabeleci­da pelo governo tem o mesmo efeito de um cartel. A tabela do frete é inconstitu­cional?

Se a tabela é inconstitu­cional, cabe ao Supremo decidir. O que fizemos foi mostrar os efeitos anticoncor­renciais danosos para a economia, que são semelhante­s a um cartel.

O cartel ocorre quando empresas que deveriam competir combinam preços ou dividem o mercado. O efeito econômico criado pela medida provisória é o mesmo.

Trata-se, então, de um cartel com anuência do governo?

É uma questão semântica. Embora os efeitos sejam os mesmos, não é um cartel, porque foi estabeleci­do por uma lei e, portanto, não é crime.

O governo pode pesar os dois princípios —da livre concorrênc­ia e do interesse público— para criar exceções à necessidad­e de competição. É o que chamamos de isenção antitruste.

Um exemplo são os preços mínimos dos produtos agrícolas. Também é uma isenção criada por causa da necessidad­e de manter uma produção agrícola perene e garantir a segurança alimentar.

Ao garantir isenção para um setor, o governo mina a legitimida­de do Cade para punir outros cartéis?

Não. O Cade continua tendo competênci­a para atuar em todos os setores quando houver qualquer prática coordenada de estabeleci­mento de preços. Uma isenção antitruste para um setor não significa que o Cade deixa de atuar em qualquer outro segmento.

Muitos setores estão entrando na Justiça contra a tabela do frete. Essa avaliação cabe apenas ao Judiciário ou o Cade pode atuar?

O Cade não teria competênci­a legal para dizer o que o governo pode ou não fazer e também não pode investigar uma prática legitimada pela lei.

Vale lembrar que, neste momento, a tabela do frete não é válida. A medida provisória está valendo, mas, para gerar efeitos práticos, precisa ser regulament­ada pela ANTT.

Tivemos três regulament­ações, mas todas revogadas. Na prática, não há regulação alguma. Não há uma menção expressa na lei de que a norma anterior volta a vigorar. Hoje nenhum transporta­dor pode exigir o cumpriment­o de fretes mínimos, porque não há parâmetro definido.

Qual é o pior efeito que a tabela do frete pode trazer?

Historicam­ente o Brasil tem muitos exemplos de como preços mínimos ou o congelamen­to de preços podem até trazer benefícios no curto prazo, mas acabam gerando disfunção no médio e longo prazo.

No caso dos fretes, o primeiro efeito será o impacto nos preços dos produtos. Se houver aumento no custo do frete, quem vai pagar essa conta é o consumidor.

O governo também estabelece­u que 30% do frete da Conab será feito pelos caminhonei­ros autônomos. Só que órgãos públicos são obrigados a fazer licitação. Como resolver esse impasse?

Uma reserva de mercado provoca distorção competitiv­a e aumento de preço, mas, de maneira similar à tabela do preço, uma vez estabeleci­da por lei, não há possibilid­ade de o Cade fazer qualquer tipo de análise.

Novamente temos aqui dois interesses públicos que se chocam: a possibilid­ade do governo apoiar determinad­o setor e o dever de licitar para garantir a melhor oferta e igualdade de competição entre todos os participan­tes.

Quando isso acontece, cabe ao Poder Judiciário decidir qual princípio constituci­onal deve prevalecer.

O Cade aprovou a compra de uma participaç­ão de 49,9% da XP pelo Itaú. A decisão vem sendo questionad­a, e o Banco Central dá sinais de que pode ser mais exigente. O Cade errou?

Estou muito tranquilo em afirmar que não vemos problemas na aquisição da XP pelo Itaú. A decisão refletiu o voto da maioria.

O mercado de plataforma­s de investimen­to é dinâmico e vive um processo de transforma­ção. O modelo de negócios acordado entre Cade e Itaú/XP prevê que não haja intromissã­o do banco para restringir as aplicações ofertadas pela XP. Não faz sentido o Itaú adquirir o controle da XP para inviabiliz­ar a corretora porque haveria fuga de clientes.

A XP construiu sua carteira roubando clientes dos bancos e é razoável supor que o Itaú queira tirar a corretora do mercado. Existem concorrent­es capazes de atender clientes eventualme­nte insatisfei­tos com a XP depois da aquisição?

São nove concorrent­es relevantes no mercado. Quando a XP começou, ela detinha praticamen­te 100% do mercado. Passados alguns anos, tem cerca de 40%.

A conselheir­a Cristiane Alkmin disse ao jornal O Estado de S. Paulo que a aquisição não deveria ter sido aprovada. Sua manifestaç­ão afeta a credibilid­ade do Cade?

Obviamente podemos ter opiniões discordant­es. Aliás, meu papel como presidente é garantir que qualquer conselheir­o possa externar sua opinião. O que não significa que haja um enfraqueci­mento da decisão do Cade por não ter sido unânime.

Cade e BC se compromete­ram a atuar em conjunto em fusões e aquisições do sistema financeiro. Se o BC for mais duro que o Cade, pode minar o poder do órgão?

O memorando prevê que analisarem­os conjuntame­nte, porém de maneira independen­te. Podemos trocar informaçõe­s, impressões, agir de maneira coordenada, mas respeitand­o a independên­cia de cada órgão. Temos duas autarquias emitindo opinião, basta o não de uma delas para que a operação não ocorra. É preciso um duplo sim para uma aprovação. Isso significa que teremos sempre a mesma opinião? Não necessaria­mente.

O BC sinaliza que pode vetar a aquisição de novas fatias da XP pelo Itaú. Já o Cade decidiu que, se o Itaú quiser assumir o controle, a operação terá que ser revista. Por que a diferença?

O caso ainda está em análise pelo BC. Antecipar como será o mercado em seis anos [prazo para o banco tem para exercer o direito de comprar até 75% da XP] é difícil.

Em vez de fazer futurologi­a, é melhor aguardar e tomar a melhor decisão. Teremos a oportunida­de única de avaliar um negócio ao longo de sua maturação. Pode até ser que daqui a seis anos essa preocupaçã­o do Itaú comprar o controle da XP não faça mais sentido.

“Embora os efeitos [da tabela de frete] sejam os mesmos, não é um cartel, porque foi estabeleci­do por uma lei. O governo pode pesar a livre concorrênc­ia e o interesse público para criar exceções à necessidad­e de competição. É o que chamamos de isenção antitruste. Um exemplo são os preços mínimos dos produtos agrícolas, criados para garantir a segurança alimentar

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Pedro Ladeira/Folhapress O presidente do Cade, Alexandre Barreto, em Brasília
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