Folha de S.Paulo

Boas escolas não freiam violência em terra de Ciro Gomes

Governada por irmão de presidenci­ável, cidade acompanha resto do Ceará em alta de homicídios

- João Pedro Pitombo e Marlene Bergamo

Em Sobral (CE), berço político do presidenci­ável Ciro Gomes (PDT), o título de campeã nacional do Ideb (Índice de Desenvolvi­mento da Educação Básica) da rede pública não bastou para frear a violência. A cidade registrou 43 assassinat­os até maio, a maioria de jovens.

O relógio marca meia-noite. Em silêncio, homens e mulheres chegam a um galpão transforma­do em igreja no bairro Dom José, periferia de Sobral (232 km de Fortaleza). Colocam fotos no centro de uma mesa e iniciam uma oração.

São mães, pais e irmãos de jovens que se envolveram com o crime. Os cultos são na madrugada porque a igreja fica em frente a um ponto de venda de drogas e as famílias evitam circular durante o dia pelo bairro.

Berço político do presidenci­ável Ciro Gomes (PDT) e sua família, a cidade de Sobral vive uma escalada de violência, com aumento do número de homicídios e bairros inteiros dominados por facções criminosas.

O cenário contrasta com os recentes avanços na educação que fizeram da cidade campeã nacional no Ideb (Índice de Desenvolvi­mento da Educação Básica) da rede pública, com nota 8,8 para os anos iniciais do ensino fundamenta­l, frente a uma média nacional de 5,3.

A situação da cidade é semelhante ao do restante do Ceará, que registrou 5.191 assassinat­os em 2017 —um cresciment­o de 50% em relação ao ano anterior. Tornou-se assim o estado com maior número de homicídios do país, mesmo tendo a melhor educação do Nordeste.

Comandada pelo prefeito Ivo Gomes (PDT), irmão mais novo de Ciro, Sobral tem cerca de 200 mil habitantes e registrou 43 assassinat­os nos cinco primeiros meses deste ano. Em 2017, foram 120 mortes violentas. A maioria das vítimas eram jovens de até 30 anos.

Bairros como Alto Novo, Sumaré e Terrenos Novos são dominadas por facções como PCC (Primeiro Comando da Capital) e Comando Vermelho. O tráfico também tomou conta de áreas como o Residencia­l Nova Caiçara, conjunto do programa federal Minha Casa Minha Vida inaugurado há cerca de quatro anos.

Em visita à periferia de Sobral, a reportagem registrou muros pichados com ordens de facções do tráfico, que impõem regras como tirar o capacete ao trafegar de moto, abaixar os vidros dos carros e não usar drogas na frente de crianças.

Enquanto migram para o crime, uma geração de jovens permanece fora das escolas da cidade que ganharam destaque pelo bom desempenho no Ideb. Parte deles morre antes mesmo de chegar à vida adulta.

“Sobral se tornou a cidade dos pés juntos”, resume o pastor evangélico Ronaldo Pereira, enquanto caminhava entre túmulos de jovens vítimas da violência. Com uma igreja em um dos bairros mais violentos da cidade, ele atua para convencer jovens a a sair do crime.

Um deles foi Cosme Soares da Silva, 25, que sobreviveu a dois tiros no tórax em janeiro deste ano —clímax de uma história de dez anos no tráfico de drogas. Ele abandonou a escola aos 15 anos, na sexta série do ensino fundamenta­l, quando começou fazer pequenos furtos. “Queria dinheiro e escolhi o caminho mais fácil”, disse.

O mesmo caminho foi percorrido por Francisco Odécio Moraes, 25, que deixou a escola na nona série e passou a integrar uma facção do tráfico. Só foi autorizado a deixar o crime porque se tornou evangélico. Ali, não há caminho do meio para quem se envolveu com o tráfico: ou permanece no crime ou vai para igreja.

Outros jovens não tiveram a mesma sorte de Cosme e Francisco, caso dos irmãos Edinaldo e Paulo Roberto Mesquita, ambos assassinad­os no ano passado.

O primeiro, que não chegou nem sequer a se alfabetiza­r, foi morto aos 24 anos. O outro tinha 30 e já era pai de dois filhos quando foi morto na porta de casa, nas proximidad­es de uma réplica da estátua do Cristo Redentor, cartão postal da cidade.

“Eu vivo com medo, choro todos os dias. Se ao menos tivessem levado um só e deixado o outro... mas mataram os dois”, afirma Maria Silva Mesquita, 49, mãe de Paulo e Edinaldo.

Pesquisado­r da Universida­de Federal do Ceará, o sociólogo César Barreira explica que a vulnerabil­idade social dos jovens que vivem em bairros violentos minimiza o efeito que a educação pode gerar no combate à violência

“O problema da violência é multifacet­ado, não é só edu- cação. A desigualda­de social e a ausência de políticas urbanas em bairros da periferia têm efeito direto nos indicadore­s. E ainda há atuação das facções que funcionam como um impulsiona­dor”, diz Barreira, para quem a melhoria da educação terá efeito na violência só no médio e longo prazo.

Nas escolas de Sobral, jovens que estão prestes a concluir o ensino médio traçam planos para o futuro. Muitos deles pensam em deixar a cidade, caso Kladson Vasconcelo­s, 19, de mudança para Santa Catarina, onde um emprego de atendente de telemarket­ing o espera.

Outros querem pemanecer em Sobral, mas relatam serem raros os empregos qualificad­os. Para quem mora em bairros dominados pelo tráfico, a dificuldad­e é ainda maior, pois carregam o estigma da violência e acabam sendo preteridos em seleções.

A Prefeitura de Sobral tem tentado atenuar a evasão escolar por meio de um programa no qual professore­s e membros da sociedade buscam sensibiliz­ar o jovem que deixa a escola. Em 2015, a taxa de evasão foi de 10,5% no ensino médio.

O governo do Ceará, comandado por Camilo Santana (PT), informa que intensific­ou o combate e prevenção de crimes violentos.

Para isso, afirma que contratou mais policiais, ampliou o número de viaturas e armamentos e tem planejado ações de territoria­lização, com policiamen­to em em pontos estratégic­os de bairros periférico­s.

Depois de perder os filhos, Maria da Silva Mesquita diz sonhar com o dia em que voltará a andar tranquila por seu bairro. E deseja uma sorte diferente os dois netos que crescerão sem conviver com o pai: “Com fé em Deus, esses vão seguir no bom caminho”.

“O problema da violência é multifacet­ado, não é só educação. A desigualda­de social e a ausência de políticas urbanas em bairros da periferia têm efeito direto nos indicadore­s. E ainda há atuação das facções que funcionam como um impulsiona­dor César Barreira sociólogo da UFC

 ?? Marlene Bergamo/Folhapress ?? Familiares de jovens envolvidos em crimes oram em Sobral (CE)
Marlene Bergamo/Folhapress Familiares de jovens envolvidos em crimes oram em Sobral (CE)
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil