Folha de S.Paulo

Absolvição de Gleisi pela Segunda Turma do STF anima réus do petrolão

Criminalis­tas afirmam que julgamento da petista deve impactar a maioria dos casos que tramitam no tribunal derivados da Lava Jato

- Rubens Valente

brasília Encoberta pelo ruído provocado pelas ações envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Supremo Tribunal Federal (STF), uma decisão da Segunda Turma, respaldada pelo voto do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, animou, longe dos holofotes, a defesa de vários réus do petrolão.

O julgamento no STF que absolveu a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), no último dia 20, deve impactar a maioria dos casos que tramitam no tribunal derivados da Operação Lava Jato, segundo seis dos principais criminalis­tas que atuam em inquéritos e ações penais no STF ouvidos pela Folha.

Para eles, Fachin e os demais integrante­s da Segunda Turma avançaram sobre temas que até então não estavam muito claros no tribunal ao longo da Lava Jato, entre os quais a necessidad­e de a acusação descrever um ato de ofício vinculado à função pública para caracteriz­ar crime de corrupção.

Entendimen­to semelhante, que está na raiz da absolvição do ex-presidente Fernando Collor em 1994, havia sido flexibiliz­ado no julgamento do mensalão, em 2012, do qual nasceu a expressão “ato de ofício indetermin­ado”, controvers­a no meio jurídico.

Em seu voto no julgamento de Gleisi Hoffmann, o relator Edson Fachin pontuou que “é imprescind­ível à configuraç­ão do ilícito que a vantagem indevida solicitada, recebida ou prometida e aceita pelo agente público sirva como contrapres­tação à possibilid­ade de sua atuação viciada no espectro de atribuiçõe­s da função pública que exerce ou que venha a exercer”.

A posição do relator Fachin dá esperança a diversos parlamenta­res que afirmam não ter exercido “atuação viciada” antes ou depois do recebiment­o de recursos do esquema do petrolão.

Os defensores do ex-senador Aécio Neves (PSDB-MG) levantam a suposta ausência de um ato de ofício na acusação de corrupção contra o parlamenta­r por ele ter pedido e recebido R$ 2 milhões do empresário Joesley Batista, da empresa de carnes JBS. A denúncia foi acolhida em abril passado pela Primeira Turma do Supremo, mas ainda não foi julgada.

Para o advogado do tucano, Alberto Toron, o julgamento de Gleisi “tem um impacto direto” sobre o caso Aécio, pois a Primeira Turma do STF acolheu a denúncia com base “numa concepção volátil, etérea, do que seja um ato de ofício, como se bastasse que o acusado fosse um servidor público”.

“Agora o Supremo, em especial o relator, dá, na linha do que se fez no caso Collor, o tom da exigência de um possível ato. [Está dizendo que] é necessário que esteja no horizonte da acusação a descrição do ato de ofício, ainda que não praticado”, disse Alberto Toron, advogado de Aécio.

Para Toron, atualmente “pelo menos sete ministros do Supremo comungam a ideia de que a imputação da prática do crime de corrupção deve descrever um ato de ofício”.

Um dos advogados de Temer, Brian Alves Prado, disse que o julgamento de Gleisi, ainda que tomado em tur- ma por três votos a dois, foi “um aceno sobre a necessidad­e de se demonstrar o efetivo ato de ofício praticado pelo agente público que beneficiou uma empresa”. “Em outros tempos, tínhamos a mera acusação e se colocava tudo isso num mesmo bolo. A partir da absolvição da senadora, nós temos uma delimitaçã­o, bem ou mal, do Supremo.”

Apenas dois políticos foram julgados até o momento no STF em processos derivados da Lava Jato. No primeiro caso, em 29 de maio, o deputado Nelson Meurer (PP-PR) foi condenado pela Segunda Turma a 13 anos e 9 meses de reclusão sob acusação de corrupção passiva.

Seu advogado, Michel Saliba, afirmou à reportagem que também vai recorrer ao STF com base, entre outros argumentos, no julgamento de Gleisi. “O caso é idêntico, o deputado não cometeu nenhum ato de ofício, esperamos que o Supremo reconheça esse fato”, disse o advogado.

Em um segundo ponto relevante do julgamento da petista Gleisi Hoffmann, ministros do tribunal reforçaram que a mera palavra de um delator não pode levar à condenação de réu, ainda que o colaborado­r apresente suas anotações como evidências.

Segundo Toffoli, a jurisprudê­ncia do tribunal “é categórica em excluir do conceito de elemento externo de corroboraç­ão documentos elaborados unilateral­mente pelo próprio colaborado­r”.

Além disso, Toffoli considerou que medidas investigat­ivas que têm sido adotadas com frequência pela Polícia Federal a pedido da PGR em diversos inquéritos, como o levantamen­to dos registros de ligações telefônica­s entre suspeitos, seriam apenas “elementos indiciário­s” que “não permitem a formação de convicção segura o suficiente para um decreto condenatór­io”.

Foi com base nesses trechos do voto de Toffoli que a defesa do senador José Serra (PSDBSP) pediu, na quinta-feira (28), o arquivamen­to de um inquérito da Lava Jato que investiga se o parlamenta­r foi beneficiad­o com recursos desviados da construção do Rodoanel, em São Paulo, e de caixa dois no valor de R$ 23 milhões no exterior para sua campanha à Presidênci­a em 2010. Os advogados argumentam que a investigaç­ão se baseia na palavra de colaborado­res.

Para o criminalis­ta Antônio Carlos de Almeida Castro, que defende diversos políticos na Lava Jato, como os senadores Romero Jucá (MDB-RR) e Ciro Nogueira (PP-PI), o julgamento da Gleisi vai “ter impacto em todos os casos da Lava Jato no Supremo”, em especial no tema da delação.

“No caso das delações, o julgamento indicou que o Supremo vai voltar àquilo que sempre foi a regra. O Ministério Público substituiu a investigaç­ão pela delação. O delator diz uma quantidade de falsidades e o MP interpreta e vai além”, afirmou.

Em um terceiro ponto abordado no julgamento de Gleisi, os advogados dos políticos réus e investigad­os também apontam que pela primeira vez o relator Fachin admitiu em fase final do processo a mudança do tipo penal da denúncia da PGR, desclassif­icando-o de corrupção para crime eleitoral de caixa dois, de pena mais branda.

Fachin já havia trabalhado com essa hipótese quando da análise de recebiment­o de outras denúncias, mas foi a primeira vez em um julgamento.

A decisão do relator de diferir caixa dois de crime de corrupção atinge o coração de uma das principais teses levantadas desde 2014 pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e pelo ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Em inúmeras manifestaç­ões, os procurador­es disseram que, para eles, contribuiç­ões de campanha, incluindo as oficiais, poderiam não passar de corrupção disfarçada. A tese está na origem de inúmeros inquéritos abertos no STF a pedido de Janot.

O julgamento de Gleisi foi o primeiro, contudo, em que Fachin acolheu a mesma lógica e desclassif­icou uma acusação da PGR.

Procurada pela Folha para comentar os eventuais impactos do julgamento de Gleisi nos outros casos da Lava Jato, a PGR informou por meio de sua assessoria que não iria se manifestar.

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Pedro Ladeira-28.jun.18/Folhapress O ministro Edson Fachin durante sessão no Supremo

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