Folha de S.Paulo

Procurador­ia ‘contorna’ delação e prepara ação contra Odebrecht em PE

Ministério Público aponta superfatur­amento em obra de arena que sediou jogos da Copa de 2014

- José Marques

O Ministério Público Federal em Pernambuco prepara ação civil que aponta superfatur­amento da Odebrecht na obra da arena que sediou jogos da Copa do Mundo de 2014 no estado, apesar de a empreiteir­a não admitir a irregulari­dade em seus acordos com procurador­es.

Também devem ser alvo da ação agentes públicos como o governador Paulo Câmara (PSB), que à época integrava o comitê gestor da parceria público-privada do estado. Précandida­to à reeleição, Câmara nega as suspeitas.

As apurações se baseiam na Operação Fair Play da Polícia Federal, que investigou os contratos e a construção da Arena Pernambuco, e em auditoria do Tribunal de Contas do Estado que encontrou ao menos R$ 80 milhões em sobrepreço, em valores de 2009.

A Procurador­ia em Pernambuco entende que essas apurações não se vinculam ao acordo de leniência (espécie de delação de empresas) firmado pelo com a Odebrecht pelo Ministério Público Federal no Paraná, que limita a possibilid­ade de ingressar com ações contra a empreiteir­a.

A Odebrecht admitiu apenas que combinou com a construtor­a Andrade Gutierrez para vencer a licitação da Arena Pernambuco, mas não que elevou o preço da obra. Em troca, a outra empresa ficaria com a reforma do estádio Mané Garrincha, em Brasília.

As ações da Fair Play em Pernambuco estão sob responsabi­lidade da procurador­a Silvia Regina Pontes Acioli, que aderiu ao acordo de leniência. Ela entende, porém, que os fatos confessado­s pela empresa não impedem a apresentaç­ão de ações a respeito de outras eventuais irregulari­dades encontrada­s na obra.

“O superfatur­amento não é objeto de acordo nenhum assinado por mim”, afirma ela.

Recentes decisões da Justiça, inclusive do juiz Sergio Moro, foram tomadas para que provas fornecidas nos acordos não sejam usadas para abrir ações contra colaborado­res. Acioli afirma que tem respeitado o acordo de leniência e que investiga fatos que exteriores ao que foi dito.

A Odebrecht sustenta que propinas pagas a agentes públicos serviram apenas para garantir vitórias em licitações. A empresa diz que não houve superfatur­amentos, embora ao menos 15 perícias oficiais da PF e tribunais de contas contestem essa versão.

O direcionam­ento de licitação na Arena Pernambuco foi delatado por João Pacífico, ex-diretor da Odebrecht no Nordeste. Ele diz que a pedido do então governador Eduardo Campos (PSB), morto em 2014, a Odebrecht decidiu construir o estádio.

Para que não houvesse questionam­entos do Ministério Público sobre a concorrênc­ia pública, foi negociado com a Andrade Gutierrez a apresentaç­ão de uma proposta falsa para a obra.

Para construir e operar o estádio, a Odebrecht criou um consórcio chamado Arena Pernambuco Negócios e Investimen­tos S. A —formado pela Odebrecht Engenharia e Odebrecht Investimen­tos em Infraestru­tura. A obra seria feita nos moldes de uma parceria público-privada, com financiame­nto do BNDES.

Após a escolha da empreiteir­a, o TCE, órgão responsáve­l por fiscalizar contas públicas, encontrou indícios de irregulari­dades nas planilhas apresentad­as pela Odebrecht para a construção do estádio.

Segundo o conselheir­o Dirceu Rodolfo, relator do processo, a empreiteir­a apresentou valores genéricos ao órgão, o que motivou uma auditoria técnica do tribunal. Chegou-se à conclusão de que a obra deveria custar R$ 398 milhões, em valores de 2009, e não R$ 479 milhões, como apontado pelo consórcio.

Já a Polícia Federal, que além de auditoria também analisou provas obtidas na Fair Play, chegou à conclusão de que a obra devia ter custado R$ 417 milhões, também com base em valores de 2009.

O TCE pernambuca­no ainda não julgou os processos sobre a arena. Dirceu Rodolfo afirma que tenta obter provas da delação da Odebrecht no Supremo Tribunal Federal para robustecer o seu relatório. Mesmo que não consiga, pretende por as contas em julgamento este ano.

A Procurador­ia de Pernambuco tem esperado a conclusão desse julgamento do TCE para apresentar a ação por superfatur­amento.

Procurada, a Odebrecht informou em nota que “no momento oportuno, a Odebrecht Engenharia e Construção apresentar­á os argumentos relacionad­os aos processos mencionado­s na matéria à Justiça e aos respectivo­s órgãos competente­s”.

Por meio de nota, Paulo Câmara afirma que não houve superfatur­amento e também diz que não há qualquer irregulari­dade na concorrênc­ia pública que a Odebrecht ga- nhou para construir a Arena Pernambuco.

A Andrade Gutierrez e o Ministério Público Federal no Paraná não se manifestar­am.

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Aldo Carneiro/Folhapress Arena Pernambuco quando inaugurada, em 2013; Odebrecht admitiu licitação fraudada, mas não sobrepreço

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